13.7.20

O “desafio” é não pôr na rua quem dela saiu para escapar à covid-19

Ana Cristina Pereira, in Púbico on-line

Henrique Joaquim assumiu há seis meses lugar de coordenador da Estratégia Nacional de Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo. Se 324 camas em housing first e 270 em apartamentos partilhados não chegarem, diz que se lançará novo aviso.

Algumas estão a ser relocalizadas, mas as 21 estruturas de acolhimento de emergência criadas no pico da pandemia “devem continuar a funcionar enquanto houver quem precise”. O “desafio” – diz o gestor da Estratégia Nacional de Integração de Pessoas Sem Abrigo, Henrique Joaquim – é ninguém voltar para a rua.

Durante o confinamento, mais de 500 pessoas foram acolhidas em centros improvisados de Norte a Sul do território continental. Há quem tenha ficado sem abrigo naquele período por várias razões, incluindo ter saído da prisão, mas “a maioria já estava nessa situação” – alguns há muitos anos.

Henrique Joaquim encara este movimento de fora para dentro como uma oportunidade de agir. “Estas pessoas aceitaram ajuda. Mais do que nunca, não as podemos deixar sozinhas. Temos de encontrar, com elas, uma resposta alternativa adequada. O desafio agora é esse”, declara, numa conversa por telefone. Como? “Tentando criar respostas, acelerámos os projectos de ‘housing first' e de habitações partilhadas.”

O modelo “housing first”, já testado em Lisboa, corresponde a um alojamento em habitação individual, definitiva. Destinar-se-á a pessoas cuja expectativa de autonomia, em razão da idade e/ou da saúde, é pouca ou nenhuma. As habitações partilhadas, uma aposta no Porto, deverão acolher duas a cinco pessoas. São uma solução transitória, que implica um trabalho técnico mais intenso, no sentido de as ajudar a adquirir competências, formação profissional, emprego. “O essencial é haver diferentes formas de resposta para diferentes perfis”, enfatiza.

O aviso foi feito a todas as organizações que integram os 26 Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo (NPISA). Treze estão a preparar-se para avançar com projectos de “housing first" em 11 concelhos (Aveiro, Barcelos, Braga, Cartaxo, Cascais, Faro, Leiria, Lisboa, Montemor-o-Velho, Setúbal e Vila Nova de Gaia). “As 13 instituições foram notificadas”, diz Henrique Joaquim, que é assistente social de profissão e durante anos esteve à frente da Comunidade Vida e Paz. “Está mesmo no fim o período de entrega de documentos necessários para depois se passar à realização dos protocolos.”

Resposta de emergência

O prazo para manifestar o interesse em desenvolver um projecto de habitação partilhada só terminou na última sexta-feira. Henrique Joaquim estava expectante. “Tem havido um grande movimento. Creio que vai ser uma resposta que muitos NPISA vão querer desenvolver para criar condições para que as pessoas tenham um tecto e com elas se fazer um trabalho mais prolongado”, dizia, na quinta-feira. Ao final do dia de sexta-feira, preferiu não revelar quantas manifestações de interesse recebera. Remeteu para esta segunda-feira.

Para já, o que está previsto são 324 camas em “housing first" e 270 em apartamentos partilhado. “Após a execução destas duas linhas de respostas, a situação será reavaliada e os avisos para manifestações de interesses poderão ser abertos em função das necessidades que se verifiquem.”

Lembra este responsável que as estruturas abertas durante o confinamento “respondem a uma emergência”. “Tão rápido quanto possível, é preciso ajudar as pessoas a transitar para outro tipo de soluções.” E isso tem estado a acontecer. Um número de pessoas que não consegue precisar já saiu para algum alojamento de longa duração (quartos de casa ou casas) ou para comunidades terapêuticas ou outras respostas na área da saúde. Ocorre-lhe o exemplo de Cascais, que visitou na segunda semana de Julho. “Criaram-se duas estruturas de acolhimento de emergência e uma delas já tinha integrado 16 pessoas noutras respostas habitacionais e a outra 12.”

Não vão fechar em Setembro, como se chegou a dizer. “O compromisso é que continuem a funcionar enquanto houver pessoas que precisem de respostas”, afiança. Já houve e há necessidade de encontrar alternativas a infra-estruturas que tinham ou têm de ser entregues. Voltando a Cascais, “a autarquia está empenhada em construir uma resposta alternativa antes de reabrir a escola”, altura em que terá de devolver o pavilhão.

Não faltam excepções (o Porto recorreu a uma ala do antigo Hospital Joaquim Urbano, Espinho ao parque de campismo municipal, Albufeira a um alojamento local, Lisboa a uma pousada da juventude, por exemplo) para confirmar a regra: as estruturas desportivas constituem a solução comum. Tinham balneários, casas de banho e espaço para garantir o distanciamento recomendado pela Direcção-Geral da Saúde. “De uma maneira geral, o funcionamento foi muito semelhante”, garante Henrique Joaquim. Além das distâncias, as equipas procuram fazer despiste de sintomas e encaminhar alguma situação suspeita. “Felizmente, só duas situações se confirmaram e foi logo em Março.”

Algumas equipas procuraram arranjar cortinas ou biombos para garantir um mínimo de privacidade a casais e a mulheres. Lisboa reuniu um número significativo e usou uma casa só para as acolher. Ao que diz o coordenador da estratégia nacional, “tem lugar para 18 pessoas e tem estado permanentemente ocupada”.

Seis meses depois de ter assumido o cargo de coordenador da estratégia nacional, que balanço? “Não é um cliché. Para trabalhar nesta área, temos de partir de uma base de incerteza. Tive de me reajustar. Não posso estar em contacto directo, no local, como gostaria.” Já perdeu a conta às reuniões online. “Já consegui fazer uma reunião com todos os NPISA. Se calhar, presencialmente seria mais complicado.” De repente, técnicos de várias equipas conversavam em grupos de WhatsApp. E isso, acredita, pode motivar, afinar a articulação, melhorar a intervenção.

Está tudo a mexer, apesar de tudo. Já em Julho, arrancou uma acção de formação para os técnicos dos NPISA. Entre os aspectos a abordar, revela, está a identidade de género. A necessidade emergiu no pico da pandemia, com várias mulheres “trans" acolhidas na tal casa de Lisboa. “Temos de garantir que estas pessoas têm um espaço adequado ao seu género.” A ideia também é abrir um canal de comunicação com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (propostas.mtsss@mtss.gov.pt). Em Fevereiro, Ana Godinho reuniu-se com algumas pessoas em situação de sem abrigo na área de Lisboa. Ainda este ano, deverá fazer o mesmo no Porto.