Patrícia Carvalho, in Jornal Público
A Rita e a Inês confessam que estão nervosas. A hora aproxima-se e, incapazes de ficar quietas, vão para o portão da Escola Secundária da Boa Hora, em Leça da Palmeira, Matosinhos, esperar pela camioneta. O Bruno e o Tiago seguem-nas. Estão todos à espera do grupo de sem-abrigo que convidaram para o almoço. Lá dentro, no refeitório, está tudo a postos para a iniciativa que os quatro alunos do 12.º C organizaram, no âmbito da Área de Projecto. A ideia motivou funcionários, professores e pais que, ontem, não se importaram de abdicar da manhã de descanso para dar uma ajuda. Os sem-abrigo agradeceram. "Até parecia um casamento", confessou um deles, no final.
A ideia desenhou-se nas conversas trocadas entre os quatro alunos e a professora responsável pela Área de Projecto, Alice Godinho. A trabalhar o tema "alimentação saudável" desde o início do ano, o grupo já tinha convidado uma nutricionista para uma palestra e criado um pequeno livro com conselhos úteis sobre alimentação. Mas, numa turma onde muitos dos trabalhos extravasaram os portões da escola, a professora achou que a Raquel e os colegas podiam ir mais longe. "Este grupo parecia que ia ficar mais fraquinho, mas sugeri um almoço para pessoas carenciadas e eles entusiasmaram-se", conta.
Empenhados em avançar com a ideia, procuraram o objecto ideal para a sua oferta, e encontraram no refeitório social do Lar de Sant"Ana, o parceiro desejado. Ali, almoçam, diariamente, perto de 30 sem-abrigo da área de Matosinhos, a maior parte dos quais com problemas ligadas à toxicodependência e ao alcoolismo. Aceite o convite, fez-se a refeição.
Alice Godinho chegou à escola pelas 8h30. Às 10h00 já o espaço fervilhava com o trabalho das funcionárias da cozinha (e não só) que se ofereceram para ajudar. A escola ofereceu a sopa e o prato principal: carne assada. Várias confeitarias, uma padaria e uma frutaria, ofereceram sobremesas, pão e fruta. Mães de alguns alunos fizeram salada de frutas. Alunos de outras turmas apareceram para dar uma ajuda. O dinheiro recolhido pelos quatro estudantes, num peditório realizado na escola, tratou do resto.
Quando finalmente se sentaram à mesa, os 24 sem-abrigo tinham muito por onde escolher e os alunos deram uma ajuda na hora de servir. Pedro, de 33 anos, que só deixou a rua recentemente e esteve quase para não participar, "por vergonha", estava satisfeito por ter ido. "Acho isto óptimo. Ter uma porta onde se possa ir comer é muito importante", disse. A assistente social Goretti Pimenta, que acompanhou Pedro e os outros, também louvou a iniciativa: "Mal falámos da ideia aos nossos utentes, ficaram felizes, disseram logo que sim." No final, o Lar de Sant"Ana ainda ficou com as (muitas) sobras. Raquel já não está nervosa. "Foi muito positivo, uma experiência diferente", diz.
No 12.º C muitos dos trabalhos da Área de Projecto entusiasmaram a professora responsável. "Voltaram-se todos para as deficiências, o que é muito importante porque os jovens geralmente estão longe destas coisas", diz Alice Godinho. Entre os casos apresentados à turma, um dos que mais marcaram a docente foi o depoimento de um surdo. Mas houve também quem fizesse jogos para invisuais e criasse um livro sobre desporto especial para idosos e crianças.