À letra, José Leite Pereira, Director, in Jornal de Notícias
Os políticos não gostam de falar de fome nem de ser confrontados com os números da pobreza. Mesmo quando esses números marcam uma evolução positiva, há sempre um enorme desconforto em lidar com eles, porque no fundo traduzem a incapacidade das políticas em resolver os problemas mais prementes. Ainda há dias, no Parlamento, Sócrates fez um esgar de desagrado quando o confrontaram com situações de fome existentes no país.
Independentemente dos culpados - e encontrá- los-emos, embora com grau de responsabilidade diversa, em todos os partidos que passaram pelo Governo ou tenham assento parlamentar-, o facto é que há fome em Portugal. Não sei se se poderá avançar com números tão pesados como os que ontem referia o bloquista Teixeira Lopes 400 mil pessoas em Portugal. Sendo certo que nesta matéria vale mais pecar pelo excesso, também é preciso contar com o facto de os políticos da Oposição terem tendência a carregar mais os números.
Mas o que não engana é um relatório como o que ontem foi divulgado pela União Europeia. Confirma o que está à vista sobre a enorme desigualdade na distribuição de rendimentos em Portugal. E, além de confirmar, dá a medida certa na UE, somos o país onde a desigualdade é maior. O coeficiente de repartição de rendimentos é mesmo superior ao dos EUA, onde, como se sabe, os contrastes são medonhos.
Sobre estes números, deve o nosso Governo meditar. Mas os políticos populistas da Oposição também. Os mesmos populistas que teimam em pedir um alívio na carga fiscal sobre os combustíveis deveriam exigir, antes disso, claras medidas sociais que se repercutissem na distribuição de rendimentos.
A crise alimentar, gerada a par ou catapultada pela crise petrolífera, está a afectar de forma clara a nossa classe média. É um facto. Há uma outra crise, num outro patamar, onde o problema não é de perda de regalias, mas simplesmente de fome.
A crise da classe média dá e tira votos. A crise do outro patamar, infelizmente, é mais silenciosa. Se não fosse assim, se ela ganhasse algum poder reivindicativo, possivelmente as desigualdades não seriam tão notórias.