Sofia Branco, in Jornal Público
Os esforços dos governos europeus na ajuda pública ao desenvolvimento (APD) continuam a não honrar os compromissos assumidos. Pelo contrário, o apoio financeiro aos mais pobres diminuirá em 75 mil milhões de euros até 2010, em relação aos valores estabelecidos como meta. Esta é a conclusão de um relatório da Concord, confederação europeia de organizações não governamentais para o desenvolvimento (ONGD, chamado Não há tempo a perder!
As mais de 1600 ONGD europeias que integram a Concord sublinham que, a manter-se a tendência, a União Europeia (UE), responsável por mais de metade da ajuda ao desenvolvimento, quebrará os compromissos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio fixados para 2015.
A Concord cita estatísticas publicadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em Abril, que mostram que a ajuda ao desenvolvimento europeia "caiu em 2007, com a Bélgica, França e Reino Unido a apresentarem quedas entre dez a 30 por cento".
A Concord lamenta que os governos europeus continuem a "sobrevalorizar as estatísticas da ajuda pública ao desenvolvimento com os custos com os refugiados e a amortização das dívidas externas". O relatório (disponível em www.plataformaongd.pt) frisa ainda que os 15 Estados-membros mais antigos da UE "disponibilizaram somente 0,33 por cento dos rendimentos nacionais brutos para a ajuda ao desenvolvimento em 2007, continuando a não atingir a meta de 2006, de 0,39 por cento".
Portugal continua aquém do assumido. Em 2006, "apenas canalizou 0,21 por cento do rendimento nacional bruto para a APD" e, em 2007, "os números provisórios comunicados por Portugal à OCDE apontam para 0,19 por cento". Fátima Proença, presidente da Plataforma Portuguesa de ONGD, que integra a Concord, admitiu ao PÚBLICO que esses números possam ser "revistos em alta", mas que a tendência não se inverterá.
Falta de coerência política
Apesar de maioritária na UE, a Espanha, por exemplo, aumentou as ajudas. Apenas nove países europeus - Áustria, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Alemanha, Lituânia, Luxemburgo, Roménia e Espanha - aumentaram a ajuda entre 2006 e 2007.
Fátima Proença avança com três explicações para a baixa na APD portuguesa. "Há uma subvalorização dos compromissos de ajuda ao desenvolvimento", diz. "A crise económica e o equilíbrio orçamental" não podem "continuar a ser o biombo que oculta a falta de coerência política". Não podem existir "dois pesos e duas medidas para os compromissos assinados pelo Estado português", vinca. "É tão compromisso de Estado o que existe com a NATO como o firmado com a APD."
Também "a eficácia da ajuda portuguesa é condicionada pela arquitectura institucional ", acrescenta. O organismo que coordena a ajuda, o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), "não gere nem 15 por cento do orçamento", pois "mais de metade está no Ministério das Finanças e o resto está espalhado [por vários organismos]".
A acrescentar a isto, sublinha a presidente da Plataforma, que, em carta aberta ao primeiro-ministro, divulgada no PÚBLICO, já tinha alertado para estas questões, "há episódicas avaliações de projectos, mas não há uma cultura de avaliação transversal a todas as instituições que gerem o orçamento da APD".