23.5.08

Quando o dinheiro acaba, come-se cachupa

Andreia Sanches, in Jornal Público

Há prédios de habitação social, uns de aspecto novo, outros degradados. Muitas lojas estão fechadas e têm grades nas montras. Grupos de mulheres e crianças fazem sala na rua. Os taxistas ficam nervosos por andarem às voltas no Bairro do Zambujal, no concelho da Amadora. A fama do sítio não é boa... Joana, de 60 anos, vive num destes prédios, num apartamento, com a família de nove pessoas - quatro adultos e cinco crianças. Para sustentar a família, há dois ordenados.

A meio do mês, as refeições de cachupa (o milho e o feijão são baratos, "dinheiro para peixe e carne não há", lamenta a avó de cinco netos) começam a ser mais frequentes. Joana partiu de Cabo Verde há 30 anos e trouxe esse truque para poupar.
O marido de 55 anos trabalha na construção civil e recebe 500 euros por mês. O filho, de 30, é doente, "não pode trabalhar"; a nora serve à mesa e ganha menos do que o marido de Joana - "não sei quanto exactamente". Joana, a avó, não trabalha porque, diz, precisa de cuidar dos seus "anjos de Cristo" quando eles não estão na escola. O mais velho tem 11 anos. Dois são órfãos.

Muitas das características encontradas por Bruto da Costa num inquérito feito em 2006 - especialmente para o estudo que agora vai ser publicado - a trabalhadores pobres não surpreendem Joana. Um em cada cinco inquiridos disse que por falta de dinheiro não pode aviar receitas médicas; 7,8 por cento afirmou não ter pelo menos três calças para vestir; 17 por cento faz descontos para a Segurança Social mas garante que não tem direito a subsídio de doença... "Com o meu marido é assim; se falta, não ganha."

Depois de pagar a renda de casa de cem euros, a água, a luz, o gás, é preciso, pois, alimentar nove pessoas. Há truques para poupar, para além da cachupa: não comprar roupa (usa a que lhe dão); não usar a máquina de lavar, que gasta luz; tomar os "remédios para a tensão" apenas quando lhos oferecem. Joana tem pena de não poder comprar "coisas melhores aos netos". Por exemplo? "Gostava de lhes comprar aquele leite com propriedades para crescer."

Do futuro não parece esperar muitas mudanças. Espera que "Deus proteja" os netos. E que o Rendimento Social de Inserção lhe seja atribuído - se dois dos netos que estão a seu cargo estivessem legalizados, a Segurança Social já consideraria que o agregado cumpre os requisitos para receber o apoio. Joana diz que já tratou "dos papéis". Agora espera.