26.5.08

Faltam opções de transporte público para quem quer deixar o carro em casa

Lurdes Ferreira, Inês Sequeira e Luísa Pinto, in Jornal Público

Face à escalada do petróleo, quem mora no Porto tem mais condições do que em Lisboa para optar pelo transporte público, mas, ainda assim, as dificuldades são muitas nas duas urbes


Apesar da escalada de preços do petróleo do último ano e do seu efeito sobre o rendimento das famílias, os portugueses hesitam em deixar o carro em casa e a optar por transportes públicos. É a conclusão global que se retira ao confrontar os dados do último ano fornecidos ao PÚBLICO pelas maiores empresas de transporte público urbano, mesmo que se notem algumas diferenças entre as duas maiores áreas metropolitanas do país, com o Porto a dar sinais de um crescimento que não se verifica em Lisboa.

Registam-se sinais de quebra na Carris, Transtejo e Soflusa, contra uma tendência contrária nos transportes urbanos e suburbanos do Porto, CP, Metro e Fertagus, o que faz com que o resultado global não seja claro nem sustentado. Se o prazo de comparação for alargado aos últimos dois anos, a tendência para uma maior procura de transportes públicos é mais visível, mas continua a ser fraca face ao encargo crescente de encher o depósito do automóvel.

O docente e investigador na área de transportes urbanos, do Instituto Superior Técnico, José Manuel Viegas diz que nos últimos dois anos houve uma ligeira recuperação do número de passageiros dos transportes públicos (entre um e dois por cento) e atribui-a precisamente ao aumento dos custos com os combustíveis. No entanto, salienta que isso sucedeu com aquelas pessoas que estão bem servidas pela rede de transportes públicos e que muitos automobilistas continuam a usar todos os dias o carro porque não têm alternativa - e esta é a explicação mais consensual entre os especialistas.

"Muitas pessoas mudaram nos últimos anos para casas mais espaçosas e melhores, mas muito mal servidas em termos de transportes públicos, porque o combustível era barato, estimuladas até pelos próprios municípios. E agora, sentem que lhes tiraram o tapete debaixo dos pés", nota Viegas. Estas situações de dependência do automóvel acontecem com mais frequência nas periferias das grandes cidades - este fenómeno de "deslocalização" atingiu níveis recorde nas grandes cidades dos EUA -, mas também dentro da própria Lisboa. "Basta morar longe da rede do metropolitano ou não ter ligações directas de autocarro na deslocação para o trabalho", exemplifica.

O que está a falhar, especialmente em Lisboa, é o modelo de gestão de mobilidade: dá prioridade às infra-estruturas e não ao serviço ao cidadão, quando devia ser ao contrário, explica a equipa de investigadores do centro de inovação Inteli, que se tem dedicado a esta área da mobilidade. Assinala que um resultado concreto desse modelo é o que acontece com o Metro e a Carris. "São operadores concorrentes e não complementares em alguns trajectos."

Com o crescimento das cidades e os novos fluxos de tráfego, a desadequação entre a procura e a oferta sente-se de outros modos. "Apesar da subida do preço dos combustíveis, não é possível, em várias zonas, nomeadamente da cidade de Lisboa, fazer os movimentos pendulares sem recurso ao carro particular em parte do trajecto", acrescenta. Já no Porto, considera que o metro foi o factor que mais diferença introduziu. "Sendo mais recente, está mais adequado aos fluxos e mais adaptado às regiões periféricas".

Para que os transportes públicos respondam de melhor forma às necessidades actuais de mobilidade das pessoas, a Inteli defende que têm de ser dados dois passos. O primeiro, é que "a mobilidade tem de ser vista como uma utility que oferece ao utilizador um conjunto de soluções integradas", ou seja, deve ser vista como um serviço de interesse público. O segundo, "fundamental", passa pela criação de uma entidade reguladora da mobilidade, associada às áreas metropolitanas, que desenvolva os novos modelos de mobilidade "construídos na lógica do utilizador e não das infra-estruturas, integrando o uso do carro pessoal, car sharing, car pooling e transportes públicos".

Lisboa continua a servir de "mau" exemplo. A solução de park and ride preconiza a criação de grandes parques de estacionamento automóvel junto de estações de transporte público, mas estes estão totalmente cheios às 9h00, acabando por não responder às necessidades, lembra José Manuel Viegas.

O modelo de mobilidade para que tendem os grandes centros urbanos do mundo desenvolvido parece ainda longe para os portugueses: integração do carro pessoal na rede, dando ao utilizador informação em tempo real sobre a disponibilidade dos meios existentes, os seus custos e, "numa perspectiva mais ambiciosa", refere o centro de inovação, o nível de emissões de CO2.

Um plano de contingência

No imediato, o maior problema é o petróleo chegar aos 200 dólares por barril, o que pode acontecer ainda em 2008, de acordo com previsões de analistas. É urgente que as autoridades portuguesas e europeias "comecem a preparar um plano de contingência com vários meses de antecedência, que repense de cima a baixo o sistema de transporte público", alerta o docente do IST, para quem a subida do custo dos combustíveis pode reflectir-se em breve "numa grande tempestade" para muitos orçamentos familiares. "Temos de arranjar um plano de contingência para o gasóleo a 2,50 euros por litro", sublinha.

Entre algumas soluções possíveis, Viegas sugere a introdução de autocarros com apenas dez a 15 lugares ou de táxis colectivos, que poderiam fazer percursos mais rápidos e com menos paragens do que os veículos que transportam 50 passageiros que correm longas distâncias para terem taxas de ocupação aceitáveis. Também considera que os sistemas de car pooling (ver caixa) são uma alternativa.

Quanto ao congelamento dos preços dos passes sociais anunciado no Parlamento por José Sócrates, este investigador entende-o apenas de forma provisória e não considera os combustíveis alternativos a solução no curto prazo.