Lurdes Ferreira e Raquel Abecasis (Rádio Renascença), in Jornal Público
A escalada no preço das matérias-primas é um "problema da maior gravidade", mesmo para os "países ditos ricos", e Portugal está vulnerável por ter uma população pouco qualificada
O administrador da Fundação Calouste Gulbenkian com os pelouros da educação e do petróleo chama a atenção para os grupos sociais que vivem "no limite das suas capacidades financeiras": idosos, famílias numerosas, desempregados e famílias rendimentos baixos.
A Fundação é produtora de petróleo [através da Partex Oil and Gas], embora não em grande escala. Como é que o lado da produção assiste ao que se passa com os preços?
Quando se olha para a evolução do preço do crude, a primeira sensação que se tem é de perplexidade - por que o petróleo subiu 96 por cento de preço nos últimos seis meses? Há um conjunto vasto de explicações que tem a ver a com as regras da oferta e da procura. Os países produtores têm dito que o mercado está devidamente abastecido, sem uma razão específica que justifique este valor. Depois, há uma grande intranquilidade na área financeira, que tem levado a que o petróleo, como matéria-prima essencial, seja uma área de atracção para muitos investidores, que saíram das bolsas, saíram dos fundos e vieram fazer aplicações em matérias-primas, nomeadamente no petróleo. Por outro lado, há uma grande instabilidade do ponto vista político, e com qualquer pequeno acontecimento em países como o Irão, a Venezuela ou outro país produtor, os mercados, as bolsas, reagem. A conjugação destes factores levou a esta bolha de preços, um pouco inexplicável.
Para os consumidores, é difícil entender entre o que os produtores dizem, e o que os especuladores, um pouco como os "maus da fita", fazem. Qual é a explicação mais convincente?
Não há verdadeiramente uma explicação convincente. Não há um especialista que possa vir dizer que a razão é esta. Há um conjunto vasto de argumentos para que o preço possa subir, como amanhã pode haver argumentos para explicar que vai descer. Perguntaram um dia a um grande especialista o que ia acontecer ao preço do petróleo e ele disse: "Há três hipóteses: ou sobe ou desce ou fica na mesma." Verdadeiramente, não há um algoritmo que permita fazer uma estimativa de qual será o preço daqui a seis meses.
As previsões do barril a 200 dólares não fazem sentido?
Fazem o mesmo sentido que dizer que serão 80 dólares. Se analisarmos desde 1973, todas as previsões feitas pelas grandes instituições internacionais, olhando para 2008, diziam que o preço poderia variar entre os 20 e os 200 dólares. O grau de imprevisibilidade é tal que hoje ninguém está certo ou errado. Todas as possibilidades podem ocorrer. Mas há factores de fundo que justificam algum crescimento no preço do petróleo, designadamente a subida quase exponencial de matérias-primas essenciais para a indústria do petróleo, como o aço. Por causa do aço, os custos-base de produção da indústria subiram mais de 50 por cento nos últimos três anos.
E como vê esta corrida louca às matérias-primas?
É um problema da maior gravidade. Não estamos apenas a falar do preço do petróleo, mas de matérias-primas essenciais como os alimentos. É uma das áreas de maior preocupação para todos - consumidores seguramente, governos e indústria alimentar.
Não podemos fazer discursos cor-de-rosa quando a situação tem a gravidade que hoje tem. Em Portugal, haverá seguramente hoje situações, na área social, muitíssimo preocupantes. Muitas pessoas vivem no limite das suas capacidades financeiras e estas subidas brutais de preços prejudicam os grupos mais frágeis, os idosos, as famílias numerosas, os desempregados e quem tem rendimentos baixos.
Com a crise dos alimentos, teme-se o quê? Uma revolução social?
Uma situação internacional com estas características é perigosa, porque a instabilidade social pode rebentar como uma bolha. Mesmo nos países ditos ricos, em que há bolsas de pobreza consideráveis, estas tenderão a crescer, com estes factores muito negativos.
Acha que Portugal, dentro do grupo dos ditos desenvolvidos, é dos mais frágeis?
Portugal é um país frágil. Por variadas razões. Temos uma população muito pouco qualificada: 60 por cento da população adulta tem, no máximo, seis anos de escolaridade. [É] portanto uma população que enfrenta mal situações de mudança e reconversão, move-se com dificuldade.
Mas temos uma nova geração licenciada, formada, que recebe mal e está desempregada.
Recebe mal, mas tem sempre mais capacidade do que os outros. Quem tem maior qualificação tem sempre menos paragem por desemprego, tem sempre mais capacidade de obter um emprego e de se realizar.
Não sou dos que pensam que a educação resolve os problemas todos como uma varinha de condão. É um motor auxiliar do desenvolvimento.
Para que este seja sustentado é necessário que o país disponha de mão-de-obra qualificada que assenta sempre em habilitações académicas mais elevadas. E somos um país frágil nessa matéria e outras: na cobertura do desemprego, dos idosos, somos um país muito nos limites da capacidade de resposta aos problemas que parte da população tem diariamente. Portugal será necessariamente afectado por esta crise.
Temos ouvido que estamos mais sólidos para enfrentar esta crise, depois de controlado o défice orçamental.
Estamos melhor do que quando o défice era de cinco ou seis por cento, mas continuamos a ser um país frágil. O défice desceu, mas isso, em si, não resolve a vida das pessoas.
"Os professores precisam de estabilidade"
"Se o poder político tem toda a gente contra, pode ter a maior das razões mas fica isolado e cai", diz Marçal Grilo
a A aposta que se está a fazer na qualificação está a dar resultados? Pode-se dizer que um licenciado desempregado fica menos tempo à espera de emprego, mas há cada vez mais desempregados licenciados.
Há que distinguir cursos e cursos, designadamente no ensino superior. Temos um certo desfasamento entre algumas necessidades de quadros qualificados vindos das universidades e os que a universidade produz. Temos défice nas tecnologias, engenharias, informática e temos excesso de cursos cujo grau de empregabilidade é bastante mais baixo, nomeadamente nas áreas das humanidades.
Isso tem a ver com a aversão dos portugueses à Matemática?
Tem um bocado, mas há também algum défice de informação das pessoas. Hoje é difícil dizer a que profissões um determinado curso dá acesso. Deve ser feita uma política de grande informação sobre o que representam os cursos em termos de possibilidades de emprego.
Há um plano neste momento para a recuperação da Matemática e dos alunos com dificuldades. Conhece o plano?
Vamos ver os resultados, os exames do quarto e sexto anos vão dar alguma indicação sobre isso e vamos poder comparar.
O prof. Nuno Crato diz que não são comparáveis porque os tempos de prova foram alterados.
São mais difíceis de comparar, porque quando se alteram as regras-base a comparabilidade desaparece, mas é possível ter sempre uma ideia.
Mas não é esse o problema das mexidas na educação?
Aí estou com os professores, que se queixam muito das alterações sucessivas. Precisamos de serenidade e bom senso, porque as grandes guerras já não se ganham. Há um tempo para dialogar, decidir, unir, para separar, fazer a paz e a guerra. Neste momento é tempo para dialogar.
Fez sentido o tempo da guerra?
Quando se tem uma grande vontade de atingir um determinado objectivo, tem de se ser muito determinado e mobilizar os meios necessários para atingir o objectivo. É como numa operação militar.
Portanto, estamos a falar da avaliação dos professores.
Isto não se aplica só à educação, é para quando se tem uma política pública para atingir um determinado objectivo. Quando esse objectivo leva a que se criem condições tão negativas, o objectivo passa a ser secundário em relação a ter o sistema a funcionar minimamente. Se queremos reformas na área da saúde ou educação, não podemos separar-nos completamente dos protagonistas que estão no terreno, porque são eles que vão dar corpo ao que se pretende fazer.
Temos um conjunto de professores que fazem todos os dias o milagre de fazer funcionar muito bem as escolas públicas e privadas. Para que esses professores mantenham a sua capacidade e empenho no que fazem têm que ter estabilidade.
Um estudo feito há uns anos sobre o stress dos professores mostrou que um dos factores é a contínua mudança de regras, obrigando a uma sobrecarga de preenchimento de papéis. A certa altura, têm dificuldade em acomodar essas mudanças e as escolas têm de ser verdadeiras organizações. Há ainda um número significativo de escolas sem liderança, equipa formada, objectivos definidos e meios mobilizados. As escolas vão ter de ser autónomas, por definição.
É o caminho que se está a traçar?
Acho que é acolhido por todos os grandes actores - câmaras, ministério, professores, sociedades científicas.
Deve-se primeiro autonomizar as escolas e depois tratar da avaliação dos professores?
Não. Pode ser concomitante. Mas temos de ter noção que quando se aplicam políticas públicas, o decisor político tem de ter meios e aliados.
E o que faltou nestas reformas? Os meios ou os aliados?
Os aliados. A certa altura, não havia aliados. A questão dos aliados é absolutamente fundamental.
Está a falar dos professores.
Quando no Governo, há dez anos, travámos a batalha pelas propinas, não era possível ter, ao mesmo tempo, uma "guerra das propinas" e uma guerra com os professores. Em termos políticos, temos de definir o objectivo a atingir, os meios de que dispomos e os aliados.
Se o poder político tem toda a gente contra, pode ter a maior das razões nas políticas que quer fazer, mas fica completamente isolado e a certa altura cai. E isto tem um aspecto muito negativo: quando se volta, não se fica no mesmo ponto. Em vez de um passo à frente, deram-se dois atrás.
Foi o que aconteceu na avaliação dos professores?
O entendimento que resultou da última fase de diálogo intenso entre o ministério e as organizações sindicais salvou o essencial, que é a existência de um sistema de avaliação dos professores. Salvar a ideia da avaliação pareceu-me absolutamente essencial para estabilizar o sistema.