27.5.08

Portugal não é auto-suficiente mas situação não justifica racionamentos

Ana Fernandes, in Jornal Público

Portugal não é auto-suficiente em termos alimentares nem existem re-
servas estratégicas para eventuais crises. Mas, apesar disso, a decisão tomada pelo Lidl de racionar a venda de arroz (ver texto ao lado) foi recebido com estupefacção. Não há escassez que justifique esta medida, que está a ser vista como perniciosa dado o alarme social que pode gerar.

"Não faz sentido nenhum, a única coisa que disso pode resultar é le-
var as pessoas a açambarcarem ar-roz sem necessidade nenhuma", diz Luís Mira, da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). "Não se justifica pois, entre os cereais, o arroz ainda é aquele onde temos taxas mais elevadas de auto-suficiência", diz, por seu lado, Maria Antónia Figueiredo, do Observatório dos Mercados Agrícolas. "Sobretudo quando se sabe que até se esperam aumentos desta cultura em Portugal neste ano", acrescentou Francisco Avillez, da consultora Agroges.
Os números de auto-suficiência da produção alimentar do país não são brilhantes, excepto no caso do leite e do vinho, em que a produção excede o consumo interno. Entre os cereais, o arroz ainda é aquele onde se atingem taxas mais elevadas, chegando aos 74 por cento. Nos restantes, o panorama é desolador: o trigo situa-se em cerca de dez por cento e o milho em menos de 33 por cento.

A situação também não é má no caso das galinhas e companhia, ultrapassando os 90 por cento. Nos suínos, a fasquia cai para os 70 por cento e nos bovinos só é produzido em solo nacional metade do que se consome. Nos produtos hortícolas há alguma independência e nas frutas pesam os apetites por produtos tropicais, de que muitos já não abdicam.

Há, porém, aqui uma nuance: toda a produção animal intensiva depende de rações e, neste caso, o país importa 80 por cento de matéria-prima (cereais) utilizada nesta indústria, adiantou Jaime Piçarra, da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais.

Não havendo, assim, um problema de extrema dependência externa no caso do arroz, poderá de qualquer forma a medida do Lidl fazer algum sentido dada a turbulência nos mercados internacionais? "Nenhum", dizem os especialistas que o PÚBLICO contactou.
Os empresários deste sector também não percebem a razão desta atitude. Pedro Monteiro, da Associação Nacional dos Industriais de Arroz, refere que se têm sentido algumas dificuldades na importação por causa de alguns países terem fechado fronteiras, com excepção do maior exportador mundial - a Tailândia. As principais fontes de Portugal são a Guiana Francesa e o Suriname, que, apesar de terem tido problemas climatéricos, continuam a assegurar o escoamento. A contrapartida é cobrarem os preços mais altos.

Razões para que este responsável não considere a situação preocupante, tanto mais que mantendo a Tailândia as portas abertas - algo que acredita que vai acontecer -, "as coisas tendem a normalizar, até porque se prevê agora uma boa campanha de cereais, arroz incluído", acrescentou.

De facto, todas as perspectivas até à data são optimistas, tanto nacionais como internacionais. A nível mundial espera-se um aumento da produção de cereais e em Portugal houve também um crescimento da área plantada. Segundo o último boletim mensal da agricultura do Instituto Nacional de Estatística, "para o arroz prevê-se, como resposta à subida do preço, um aumento da superfície semeada na ordem dos cinco por cento, face ao ano transacto".

Quanto aos outros cereais, "as actuais previsões de produtividade apontam para acréscimos, comparativamente à campanha transacta, que variam entre os 25 por cento para o triticale, os 20 por cento para o trigo mole e aveia e os 15 por cento para o trigo duro e cevada; para o centeio não se prevêem aumentos de produtividade face a 2007", adianta ainda o INE.

Mas até ao lavar dos cestos é vindima: "Vamos ver como se comporta o tempo porque se chover nas colheitas, pode haver problemas", alerta Jaime Piçarra.

74%
É quanto a produção nacional de arroz consegue responder ao consumo, tendo que se importar o restante