in Jornal de Notícias
Bruto da Costa "O ideal seria que o CES fosse um organismo mais reforçado em termos de competências"
Alfredo Bruto da Costa, 69 anos, é o presidente do Conselho Económico e Social, um órgão consultivo que - admite - pouca gente conhece ou sabe para que serve, mesmo entre membros do Governo. Ao peso relativo do órgão a que preside acrescenta o facto de ser um dos mais reconhecidos estudiosos do fenómeno da pobreza em Portugal, tema da sua tese de doutoramento.
JN/Antena 1 |Como é que um engenheiro civil se transforma num dos maiores especialistas nacionais no fenómeno da pobreza?
Alfredo Bruto da Costa | Boa pergunta... Terminei o curso e tive a sorte de no último ano do curso do Técnico precisar de trabalhar. Tive um emprego de estudante num departamento central de planeamento económico que era dirigido tecnicamente pelo dr. João Salgueiro. Dentro do planeamento económico, que foram cerca de vinte e tal anos, a minha área de preferência era a de estudar as condições de vida. Enquanto estava na Comissão Europeia ocorreu-me doutorar-me em pobreza. Na Universidade de Bath, no Reino Unido, conheci professores ingleses que sabiam disso muitíssimo mais do que eu.
Foi ministro da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais de Maria de Lurdes Pintasilgo. Nesses cinco meses deu para fazer alguma coisa?
Deu para fazer uma coisa que foi marcante. Quando a Maria de Lurdes Pintasilgo era ministra dos Assuntos Sociais tomou uma medida totalmente inovadora para a Segurança Social Portuguesa que era criar um benefício não dependente de contribuições, a chamada pensão social. Uma pensão para pessoas pobres. O que eu fiz quando fui para o Governo foi pegar na pensão social e alarguei para um conjunto que chamamos de esquema mínimo de segurança social. Acrescentei o abono de família, mais uns tantos benefícios e em vez de ser um único benefício foi um pacote.
É há cinco anos presidente do CES. Não sente falta que este órgão tenha um poder mais efectivo?
Sinto falta, na medida em que sinto falta que as democracias representativas como a nossa não tenham ainda acrescentado um elemento participativo que compense as deficiências de um sistema meramente representativo. Desse ponto de vista, o ideal seria que o CES fosse um organismo mais reforçado em termos de representações, de competências e de aceitação ao nível da opinião pública. Quase ninguém sabe o que é o CES...
O CES serve para quê? Só para ser ouvido?
Exactamente. O CES é um órgão de participação e a participação está sempre condicionada ao peso e à importância que o órgão de decisão dê aos que dão os seus contributos pela via da participação.
Como olha para as propostas de alteração ao Código do Trabalho que foram apresentadas?
Como presidente do CES não devo pronunciar-me.
Critica os sindicatos por terem posições muito político-partidárias...
Sou um grande defensor do movimento sindical, mas ponho como condição de credibilidade estarem completamente desligados dos partidos.
Neste momento não estão?
Não estão, nem podem estar. Porque os dirigentes das duas confederações são membros de órgãos dirigentes de partidos. Não se limitam a ser militantes... Essa ligação enfraquece completamente a credibilidade. O movimento sindical é qualquer coisa que tem uma dignidade, uma importância na humanização das sociedades que não precisam de mais apoios para terem legitimidade e força.
Ouvimos há quase uma década que Portugal tem dois milhões de pobres. O senhor queixa-se que os dados que existem estão desfasados da realidade.
Se quisermos seguir mais de perto a situação da pobreza em Portugal temos que ter inquéritos que produzam resultados com uma demora muito inferior à actual. Os cálculos sobre a taxa de pobreza implicam tantas indeterminações que discutir se é 20,5 ou 19 é pura perda de tempo. O que interessam são as ordens de grandeza. E podemos dizer que nos últimos 20 anos Portugal tem andado à volta dos 20% com o taxa de pobreza.
Acha que há fome em Portugal?
Sempre houve fome. Porque a médias das pessoas que, se não fosse o Banco Alimentar, não teria uma alimentação adequada são cerca de 230 mil. Independentemente deste aumento de preços. Ou fome parcial ou fome qualitativa, existe.
Portugal tem os instrumentos essenciais para assegurar os mínimos?
Sim. Só que aqui põem-se outras questões. Uma delas é se as condições de acesso cobrem todas as pessoas que têm necessidade disso. E posso ter um mínimo que, por si próprio, é insuficiente. A pensão de reforma mínima é o mínimo, mas é insuficiente para a pessoa não ser pobre. Há um mínimo, mas é inferior ao limiar de pobreza. Não basta ter mínimos, temos que ter mínimos que permitam que a pessoa não seja pobre.