3.7.20

Imigrantes pedem ajuda para comer e saem de Portugal aos milhares

João Queiroz, in JN

Só entre brasileiros, mais de dois mil em condições dramáticas tiveram que voltar ao seu país. A Ucrânia fez em março e abril cinco voos de repatriamento.

Não se sabe ao certo quantos são. A pandemia tirou-lhes o emprego, atirou-os para a pobreza, deixou-lhes a vida à mercê da sorte e dos movimentos de solidariedade que se multiplicaram nestes tempos de crise. Passaram a depender das associações para comer, pagar a renda da casa ou, simplesmente, para ter onde dormir. Sem meios de subsistência, milhares de imigrantes desistiram e regressaram (ou tentam voltar) ao país de origem.

Entre março e maio, foram repatriados mais de dois mil cidadãos brasileiros - a mais representativa comunidade imigrante em Portugal -, "em situação de extrema vulnerabilidade", sem dinheiro para sobreviver. "Recebemos um número muito expressivo de pedidos de ajuda durante o surto. A população que ainda estava em fase de legalização foi afetada de forma muito violenta", afirma ao JN Eduardo Hosannah, cônsul-geral-adjunto do Brasil.

Trata-se de uma vaga de imigração "muito recente, com poucos apoios informais" no país de acolhimento e "pouca possibilidade de recorrer a ajuda pública", explica João Peixoto, sociólogo e professor do ISEG: "Perante situações de desemprego imediato, sem contrato (muitos são trabalhadores precários, recebendo como independentes), sem possibilidade de recorrer ao lay-off, sem poupanças acumuladas, o retorno passou a ser a única saída, porque a possibilidade de reemigrar para outro país, como aconteceu na crise anterior, não existe agora".

Precários e desprotegidos

Foi "muito significativo" o impacto da crise nos brasileiros, a maioria empregada na restauração, no turismo e noutros serviços. "Ficou muito evidente a situação precária de trabalho e, por conta disso, a falta de proteção social. Foram inúmeros os pedidos de ajuda para alimentação e para habitação - apareceram-nos muitos casos de desalojamento, de quem só tem dinheiro para mais um mês ou 15 dias de renda...", conta Cyntia de Paula, psicóloga e presidente da Casa do Brasil de Lisboa.

Já a Embaixada da Ucrânia diz ter recebido "mais de 2500 pedidos de auxílio" por parte de pessoas em busca de "informação sobre a covid-19 e os meios e as possibilidades de regresso" à terra natal. Entre março e maio, realizou cinco voos de repatriamento com um total de 710 passageiros.

A maioria recorreu aos consulados. Houve quem, no entanto, tenha procurado os três centros nacionais de Apoio à Integração de Migrantes, que "registaram 78 atendimentos com assunto relativo ao retorno voluntário", segundo dados do Alto Comissariado para as Migrações.

ajuda alimentar e de casa

"Os que ficaram atravessam muitas dificuldades. Muitos estão desempregados, a necessitar de ajuda alimentar e alguns de alojamento", diz Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos.

Em maio, o Banco Alimentar Contra a Fome prestava assistência a cerca de 60 mil pessoas, "muitos, muitos imigrantes, a maioria de nacionalidade brasileira, mas também de Cabo Verde, Guiné, Angola, Vietname e Nepal", refere Isabel Jonet.

São várias instituições a tirar a fome a quem empobreceu ou ficou sem teto. A Estrela da Lusofonia, por exemplo, ajuda hoje 60 famílias no concelho de Sintra, a sua área de influência. A Associação Cultural Moinho de Vento, cujo plano alimentar de emergência à comunidade do Bairro da Cova da Moura - casa de milhares de imigrantes - passou a abranger mais de 300 pessoas, quando antes eram pouco mais de 50. São os pobres da covid-19.