3.7.20

Ministra da Presidência e as redes sociais. “Discursos de ódio são crime, quer se passe fora ou dentro da Internet”

Hugo Senéca, in Expresso

A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, garante em entrevista ao Expresso que o Governo não vai lançar qualquer mecanismo de controlo ou bloqueio de discurso de ódio nas redes sociais, mas recorda que essa possibilidade está prevista por instâncias europeias. No entanto, será adjudicado um estudo capaz de apurar resultados mensais sobre o discurso de ódio na Internet


Mariana Vieira da Silva tornou-se ela própria um dos alvos do discurso de ódio na Internet na sequência da resposta que deu no Parlamento a uma pergunta da deputada Joacine Katar Moreira, anunciando a intenção de lançar um estudo capaz de apurar resultados mensais sobre o discurso de ódio na Internet. O Iniciativa Liberal também parodiou a governante nas redes sociais. Em entrevista ao Expresso, a ministra explica quais são os planos do Governo nesta área.

Admite que, se o pacote legislativo da Comissão Europeia for aprovado, tenham mesmo de ser implementados mecanismos de bloqueio do discurso de ódio nas redes sociais?

Vamos aguardar que este debate termine, sempre foi muito aceso. Não sei se o problema será a palavra “monitorizar” em português – e aqui falo mais em jeito de desabafo –, mas o que está em causa é conhecermos ou não um problema de violência e ameaças feitas na Internet a grupos, devido à raça ou à orientação sexual. É algo que conhecemos depois de falarmos com professores nas escolas; mas importa conhecer melhor e saber porque é que acontece, desconstruir [o discurso de ódio] e mostrar que é crime. Se calhar, as pessoas julgam que é diferente escrever em vez de dizer cara a cara.

É um fenómeno das nossas sociedades, mas cruza-se com outros que já existiam – nomeadamente, a violência racista, a violência contra a orientação sexual. Se queremos políticas para responder a todos estes temas fora do quadro da Internet, também importa que conheçamos o que está a acontecer no meio digital. Não há nenhuma monitorização feita pelo Governo, mas sim um estudo feito por uma instituição científica, que vai acompanhar o fenómeno de forma independente.

Que instituição foi escolhida e que tipo de estudo vai ser feito?

Ainda não tenho informação dessa natureza. Ainda vai ser lançado o concurso.

E se esse estudo concluir que alguns partidos com assento parlamentar têm discurso de ódio na Internet?

Hoje temos uma lei que faz com que haja semanalmente muitas queixas à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR). Muitas vezes essas queixas são feitas devido ao que pessoas concretas escrevem na Internet. Uma vez que a lei que proíbe a discriminação racial assim o permite, muitas vezes são aplicadas multas ou os casos vão para o Ministério Público para investigação. Isso já existe! Todos os anos, desde que essa lei foi aprovada, há múltiplas queixas analisadas por esta Comissão, que aplica multas ou envia essas queixas para o Ministério Público.

Numa recente Comissão Parlamentar, o deputado André Ventura queixou-se que recebia multas da CICDR… Tive que lhe explicar que a Comissão é independente e, se chegar à conclusão de que o deputado fez algo que não pode fazer, é natural que essa Comissão faça o seu trabalho. Nada disto tem a ver com uma vontade do Governo. A vontade do Governo passou por criar uma lei que protege o direito das pessoas a não serem insultadas. Depois, a lei segue o seu caminho junto das instituições a quem cabe aplicar as multas ou do Ministério Público, que tem a função de investigar e de decidir ou não se vai a Tribunal.

O que acontece é que a Internet trouxe uma nova realidade e uma maior facilidade e temos de conhecer as formas como é que acontecem, neste meio, estas agressões que já estão previstas pelo Código Penal. É uma medida que estava no programa do Governo e é um objetivo comum a muitos países e à Comissão Europeia. O que queria esclarecer é que os títulos bombásticos que dizem que o Governo vai monitorizar correspondem apenas à intenção do Governo em conhecer melhor a realidade para definir melhor as políticas para, por exemplo, lançar ações de formação nas escolas. Se calhar temos aqui um passo a dar, para podermos explicar às pessoas que insultar pessoas na Internet é um problema. É esta a perspetiva; não há intenção de controlo de opiniões ou pessoas. A liberdade de expressão é um bem que temos de preservar, mas a liberdade de as pessoas viverem sem medo também é.