Helena Norte, in Jornal de Notícias
Transição de um só docente para vários cria problemas já reconhecidos pela tutela
A reestruturação da organização escolar, fundindo o 1.º e o 2.º ciclos e alargando o ensino da monodocência até aos 12 anos, são algumas das medidas propostas pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) num estudo em que caracteriza a situação das crianças portuguesas dos zero aos 12 anos. Mais pobres dos que os adultos, mais vitimizadas do que em qualquer outro país da Europa, as crianças portuguesas são das que menos brincam com os pais e têm na televisão a principal fonte de entretenimento.
Mais do que o diagnóstico do sistema educativo, é o retrato da criança portuguesa como produto de uma sociedade em que "melhoraram vários indicadores sociais, mas agravaram-se as desigualdades", com evidentes consequências nas aprendizagens e nas assimetrias de acesso ao saber. Embora considerem "assinaláveis" os progressos registados, os autores do estudo "A educação das crianças dos 0-12 anos" sublinham que há, na sociedade portuguesa, "crianças maltratadas, mal-amadas, mal acolhidas pela escola".
Tendo como pano de fundo factores como a elevada taxa de pobreza infantil (23%, quando na população adulta é de 21%), o desemprego e o baixo nível de escolarização dos pais, assim como a percentagem mais elevada de mulheres trabalhadoras a tempo inteiro da Europa, o CNE critica a falta de apoio às famílias na educação dos filhos e lança diversas propostas para melhorar a qualidade do ensino ministrado às crianças até aos 12 anos.
A começar logo na faixa etária dos zero aos 3 anos com medidas como a profissionalização das amas, programas de actividades com uma intencionalidade educativa mais explícita ou melhor oferta de ocupação dos tempos livres.
"Desarticulação" é substantivo mais utilizado para descrever o funcionamento do sistema de ensino e, em termos mais latos, as políticas e as práticas que regulam a vida dos petizes portugueses. Para minorar as "transições por vezes traumáticas" entre ciclos, são propostas medidas que introduzam uma lógica de continuidade entre o pré-escolar e o 1.º Ciclo, assim como uma fusão dos primeiros dois ciclos.
A criação de um ciclo de seis anos - em regime de monodocência com progressiva co-adjuvação, pelo menos em duas áreas (uma mais voltada para as ciências e outra para as letras) - "visaria neutralizar as transições bruscas identificadas ao nível da relação dos alunos com o espaço-escola". A brusquidão da passagem do 1.º para o 2.º ciclos já foi reconhecida pela ministra da Educação, que anunciou a concentração de disciplinas e a redução do número de professores no âmbito da revisão curricular do 2.º Ciclo.
A fusão dos dois primeiros ciclos do básico encerra, porém, alguns riscos, assume o CNE, como uma possível descoordenação das equipas multidisciplinares e uma eventual influência disciplinar e académica dos actuais professores do 2.º Ciclo sobre os do 1.º.
O CNE postula "uma oferta alargada de formação de qualidade", que vise a realização das potencialidades do "ser único que é cada criança".