7.5.08

Um terço das mulheres já engravidou sem querer

Bárbara Simões, in Jornal Público

Maioria decidiu ter a criança. Onze em cada 100 das que optaram por interromper a gestação fizeram-no depois das dez semanas legais


Algures na vida, um terço das mulheres portuguesas engravida sem querer. Responderam afirmativamente à pergunta 33 por cento das mais de 1600 inquiridas no âmbito de um estudo sobre comportamentos sexuais em Portugal, cujos resultados foram ontem apresentados no Instituto de Ciências Sociais (ICS), em Lisboa.

Por que é que engravidam? Muitas (34,4 por cento) dizem que é por falha do método contraceptivo que usam, mas são mais (44,4 por cento) as que não usam nenhum (ver gráfico).

O coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, Jorge Branco (também director da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa), constata um autêntico "comportamento de risco, voluntário ou involuntário" face ao uso da contracepção.

"O maior número destas gravidezes acontece porque as pessoas não fazem contracepção", lembra. "Se juntarmos a isto as que a fazem incorrectamente..." Os números aí estão. "Não há métodos totalmente seguros, mas não falham tanto assim."
O estudo Comportamentos Sexuais e a Infecção HIV/Sida em Portugal, da responsabilidade do ICS da Universidade de Lisboa, tem por base 3643 entrevistas feitas em 2007 a indivíduos com idades entre os 16 e os 65 anos. A amostra é representativa de Portugal continental. O trabalho, coordenado pelos sociólogos Manuel Villaverde Cabral e Pedro Moura Ferreira, resultou de uma encomenda da coordenação nacional para a infecção HIV/sida.

Os dados relativos à saúde sexual e reprodutiva - um dos capítulos do inquérito - foram apresentados pelo director executivo da Associação para o Planeamento da Família, Duarte Vilar, e comentados por Jorge Branco.

Mostram que a grande maioria (72,8 por cento) das mulheres para quem a gravidez foi uma surpresa optou por continuá-la. "Nem todas as gravidezes inesperadas são indesejadas", precisa Duarte Vilar.

As mulheres que, nestas circunstâncias, recorreram ao aborto correspondem a 8,5 por cento do total de inquiridas (e a 27,2 por cento das que engravidaram sem querer). Quatro delas fizeram-no já sete ou mais vezes e 11 em cada 100 deixaram passar o prazo legal das dez semanas de gestação para interromper a gravidez; ou seja: 89 por cento dos abortos foram legais, os outros não.

Mais de um ano depois do referendo que despenalizou a interrupção da gravidez até às 10 semanas, a pedido da mulher, este é um valor que perturba Jorge Branco. "Depois de tudo, é frustrante. E isso hoje em Portugal só pode acontecer por desinteresse, descuido da mulher e do homem que a acompanha."

Três das inquiridas tinham mais de 20 semanas de gravidez, quando abortaram pela última vez.

"Democracia sexual"?

Ao longo de todo o estudo ficam evidentes as diferenças de comportamento entre homens e mulheres. Apesar de haver sinais de mudança - de que a aproximação das idades com que rapazes e raparigas iniciam a actividade sexual é exemplo - são muitos os aspectos, desde o número de parceiros à infidelidade, em que as disparidades são notórias.

"Não estamos perante uma democracia sexual", diz o sociólogo Pedro Moura Ferreira. Esperava "uma convergência mais acentuada nas gerações mais novas", admite. Também Duarte Vilar sublinhou estas "diferenças importantes nas formas como mulheres e homens sentem e pensam a vida sexual (que podem ser potencialmente fonte de problemas relacionais)". Dois exemplos: 65,5 por cento dos homens afirmam ter sempre prazer nas relações sexuais, as mulheres são 34 por cento; um terço (32,4 por cento) das mulheres reconhece desinteresse pela actividade sexual, os homens são 11,6 por cento.

E quais são os motivos para a iniciação sexual? Estar apaixonado, respondem elas em gráficos com barras com o dobro da altura das que traduzem as respostas deles. O sexólogo Allen Gomes desdramatiza. Às vezes é apenas uma questão de linguagem e "o amor é uma metáfora do desejo, da atracção sexual".

"Depois de tudo, é frustrante. E isso só acontece por desinteresse da mulher e do homem que a acompanha", diz Jorge Branco