Por Liliana Valente, in iOnline
O governo promete mudanças profundas com a reforma do arrendamento. Inquilinos dizem que é a pior lei dos últimos 150 anos e senhorios duvidam da eficácia
Acabar com os contratos antigos de rendas baixas, facilitar os despejos de quem não paga a renda e assegurar que quem tem dificuldades económicas consegue manter a casa são os objectivos principais da nova lei das rendas apresentada em Dezembro pela ministra da Agricultura e Ordenamento do Território, Assunção Cristas. A lei deverá entrar em vigor quase um ano depois – isto se Cavaco Silva não levantar reservas ao diploma, que está para promulgação em Belém. Mas será que vai ter o resultado esperado pelo governo?
Inquilinos e proprietários dizem que não. Por razões diferentes. Se os primeiros não acreditam na protecção social aos mais desfavorecidos prometida pelo executivo, os segundos não acreditam que o Balcão Nacional de Arrendamento e os tribunais sejam céleres o suficiente para permitir despejar os incumpridores. Não vai resolver “a falta de confiança no mercado”, diz o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Luís Menezes Leitão.
A nova legislação cria dois mecanismos novos: a negociação das rendas anteriores a 1990 e o mecanismo extrajudicial de despejo. A negociação dos contratos antigos pode afectar mais de 255 mil pessoas que, de acordo com os Censos de 2011, ainda têm contratos protegidos. E há 150 mil famílias com rendas inferiores a 50 euros que correspondem, na grande maioria, a contratos celebrados ou que transitaram para familiares, uma norma que só foi impedida em 2006 – altura em que a lei deixou de permitir a transmissão de contratos de renda. Senhorios e inquilinos (ver entrevistas nas páginas seguintes) não acreditam neste mecanismo de negociação entre as partes e dizem que o valor das rendas vai acabar por ser definido tendo em conta o valor patrimonial actualizado do imóvel. Para isso, o governo conta com a actualização que as Finanças estão a levar a cabo.
As dúvidas em relação ao mecanismo de negociação estenderam-se à discussão no parlamento. O deputado do PSD António Leitão Amaro não concorda: “Pode haver uma fase em que haja senhorios demasiado ambiciosos e acaba por se escolher a última das soluções [fixação pelo valor patrimonial]. Mas há muitos senhorios que vão ter a sensibilidade de conseguir uma solução justa.”
As dúvidas dos envolvidos chegam também ao mecanismo extrajudicial de despejo. Ambos discordam da criação do Balcão Nacional de Arrendamento, por considerarem que vai ser inútil. Os proprietários dizem que esta estrutura vai atrasar ainda mais os processos de despejo e os inquilinos também queriam uma solução para obrigar os senhorios a fazer obras.
O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) foi uma das reformas estruturais pedidas pela troika e na qual o executivo apostou como solução para o problema da habitação em Portugal. Com os bancos a reduzirem o número de créditos para a compra de casa, incentivar o arrendamento foi a prioridade. Mas uma prioridade que chegou no prazo limite: a troika pedia o último trimestre do ano de 2011, o governo apresentou o projecto no fim de Dezembro. E o processo demorou até este mês para ser resolvido no parlamento. Uma vez promulgado, demorará quatro meses a entrar em vigor.
Na quarta avaliação ao cumprimento do Memorando de entendimento, tanto a Comissão Europeia (CE) como o Fundo Monetário Internacional (FMI) realçam a medida. O FMI lembra que a reforma pretende “ressuscitar o mercado de arrendamento moribundo e facilitar a mobilidade laboral” e a CE refere ainda a avaliação das casas para efeitos de IMI. Mas ambos têm críticas a apontar: o período de cinco anos de transição das rendas antigas para o novo regime – aplicável a quem tem dificuldades económicas – é demasiado longo.
Na Assembleia da República, os deputados alteraram a lei, mas não mudaram o modelo essencial. A proposta final acabaria por ser votada pelos partidos da maioria, com toda a oposição, PS incluído, a votar contra. Os socialistas dizem que esta não vai ser a solução. “Acredito que o modelo funcione, vai é funcionar mal. Esta lei tem o potencial de criar conflitos sociais. É pôr gasolina no fogo”, diz ao i o socialista Mota Andrade. O deputado salienta três aspectos que concorrem para o risco de a lei provocar uma maior tensão social: “Não existe período de transição dos contratos antigos para os novos; vai haver uma negociação directa entre inquilino e senhorio e, por isso, haverá uma tensão a partir do momento em que a lei é favorável ao senhorio; e, por fim, o valor patrimonial não tem em conta o estado do imóvel.” São três pontos que, diz o socialista, o PS tentou alterar na discussão no parlamento.
Já os sociais-democratas acreditam que esta “é a lei de que o mercado precisa”, nas palavras do deputado responsável pelo dossiê, Leitão Amaro. Para o parlamentar “houve consciência social” na elaboração da lei para não deixar desprotegidos os inquilinos com dificuldades económicas.