7.7.20

Há mais 56 mil trabalhadores em lay-off, mas não estão no simplificado

Cátia Mateus, in Expresso

À margem das mais de 110 mil empresas que recorreram ao regime desburocratizado e simplificado de suspensão de contratos, criado pelo Governo como resposta à crise gerada pela pandemia, há um universo de empresários que não quiseram beneficiar deste apoio. Desde março mais de 5.500 empresas avançaram para lay-off convencional. Quem são estas empresas que apostaram num mecanismo que é menos favorável e mais burocrático?

Desde que foi apresentado como a principal aposta do Governo de António Costa para mitigar o impacto da crise-covid nas empresas e travar uma escalada do desemprego que se dava como fatal, ficou claro para todos que o lay-off simplificado seria a tábua de salvação para milhares de empresários.

Os números confirmam-no. Desde março e até junho mais de 110 mil empresas, abrangendo um universo total de 850 mil trabalhadores, beneficiaram desta medida simplificada de suspensão temporária de contrato de trabalho. Mas não foram os únicos. No mesmo período, o recurso ao regime geral de lay-off, que sempre foi residual, registou números record. Em três meses, 5.554 empresas e viram aprovado este apoio, somando aos 850 mil trabalhadores abrangidos pelo lay-off simplificado mais 56.513 do regime geral.

Há diferenças de fundo entre ambos os regimes e pesaram na decisão das empresas. Os números fornecidos pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) ao Expresso permitem perceber quem são as organizações que recusaram a simplificação e preferiram os que os advogados dizem ser "um regime mais estável e duradouro".

Menos bucrocrático, mais simples e mais rápido no apoio às empresas. Foram estes os grandes trunfos apresentados pelo Governo no lançamento do lay-off simplificado. O regime que se inspira nas regras que já norteavam o lay-off convencional, inscrito há décadas no Código do Trabalho (CT), deve a sua simplificação e maior celeridade à abolição de algumas das obrigações processuais que constam do regime original, como a negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores.

Para aceder ao lay-off simplificado bastava à empresa conseguir comprovar uma situação de crise empresarial através de três requisitos, cumulativos ou não: registar uma redução da faturação superior a 40% face ao mês anterior, ter sido encerrada por questões sanitárias decorrentes da pandemia ou ter a sua cadeia global de abastecimento interrompida.

No regime geral deste apoio não só o processo é mais demorado e burocrático (chegando a tramitação a demorar dois ou mais meses) como o crivo para acesso ao apoio é mais apertado: para serem elegíveis as empresas têm conseguir comprovar que sem o apoio a sua sobrevivência está ameaçada. Além disso, as empresas não têm acesso aos restantes apoios que decorrem do regime simplificado, como o previsto para a retoma de atividade.
Os números iludem

O modelo de simplificação criado pelo Executivo de António Costa terá conseguido colocar Portugal como o sexto país, no quadro dos vários membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com maior número de trabalhadores abrangidos por apoios à retenção do emprego, como mostram os dados hoje divulgados pela organização. Em maio, o lay-off simplificado abrangia 33% dos trabalhadores dependentes em Portugal.

Mas neste mesmo mês, o número de empresas e trabalhadores abrangidos pelo regime geral de lay-off atingia o valor máximo da história do apoio: 4.629 e 44.403, respetivamente. O número compara com as 138 empresas e 2069 trabalhadores abrangidas em abril deste ano. Desde março, primeiro mês impactado pela pandemia, e até final de junho 5.554 empresas requeram o regime geral de lay-off, abrangendo 56.513 trabalhadores, revelam os dados fornecidos pelo MTSSS a pedido do Expresso.

O aumento exponencial de empresas e trabalhadores registados em maio pode dar a ilusão de que estas empresas viram recusado o acesso ao regime simplificado e foram forçadas a avançar para uma segunda alternativa, mas não. Pedro da Quitéria Faria, advogado da Antas da Cunha, recorda que o regime simplificado é extremamente burocrático e moroso. “Este aumento de processos registado em maio reporta a empresas que requereram lay-off em março ou início de abril e só viram nesse mês viram o processo concluído e aprovado”, explica. Ou seja, o número de lay-off convencionais não estará a aumentar com o evoluir da crise, "ainda que tal possa vir a acontecer", diz. O que aconteceu foi que, logo de início, houve um grupo de empresas que preferiram o regime geral de lay-off ao simplificado, mesmo perante as aparentes vantagens do segundo.
Estabilidade ditou a decisão

Mas quem são afinal estas empresas que podendo beneficiar de um regime que lhes é mais favorável, optaram pelo caminho mais penoso? Os dados do MTSSS mostram que do total de 5.554 empresas que requereram e viram aprovado o regime de lay-off convencional entre março e junho, a esmagadora maioria (71,2%) eram microempresas com até dez trabalhadores. As pequenas empresas representam 22,9% do universe total das apoiadas, as empresas de média dimensão 5,1% e só 0,7% dos lay-off convencionais aprovados eram de grandes empresas.

Por sector, os dados mostram também que foram as empresas mais sentiram o primeiro embate da crise que de imediato avançaram para lay-off. Comércio por grosso e a retalho representa 25,7% dos pedidos aprovados, alojamento e restauração, 16% e as indústrias transformadoras, 14,6%. No grupo das atividades mais representadas estão também a consultoria, atividades científicas e técnicas, com 6,8% e o sector dos trabsportes e armazenagem com 6,4%.

Explicar a opção destas empresas é para os especialistas em Direito do Trabalho relativamente simples. Pedro da Quitéria Faria admite que muitas destas organizações “terão avançado para o lay-off antes mesmo de se conhecer a decisão do Governo de criar um regime simplificado”. Outras, acrescenta, Carmo Sousa Machado, presidente da Abreu Advogados, “terão preferido uma solução de maior estabilidade e durabilidade”.

A advogada recorda que a história do lay-off simplificado se conta com sucessivos impasses, múltiplas retificações ao diploma e alteração de regras. “Uma instabilidade que levou muitos empresários a optar pelo mecanismo que já estava previsto na lei e que, embora mais demorado e burocrático, conferia uma solução de maior estabilidade e mais duradoura”, reforça. É que ao contrário do regime simplificado que cuja duração inicial era de três meses, passando depois a quarto com a prorrogação do mecanismo até julho, o lay-off convencional prevê uma suspensão de contrato financiada a 70% pela segurança social durante seis meses, período que se pode alargar até um ano e meio.

O advogado Nuno Ferreira Morgado, da PLMJ, admite que algumas destas empresas possam ter visto recusado o acesso ao regime simplificado e avançado para uma segunda opção. Contudo, reconhece que a instabilidade do apoio criado pelo Governo neste contexto de crise terá levado muitas organizações a jogar pelo seguro e a procurar as soluções convencionais previstas no código laboral.

De forma transversal, os especialistas ouvidos pelo Expresso admitem que nos próximos meses o número de empresas e trabalhadores abrangidos pelo regime de lay-off convencional possa aumentar levando o mecanismo, cuja utilização sempre residual, a alcançar máximos históricos.