15.5.08

Governo deve apoiar integração dos jovens e melhorar a rede de creches

Natália Faria, in Jornal Público

As mulheres portuguesas são das que mais trabalham fora da casa na União Europeia. São mal pagas e, muitas vezes, penalizadas por estarem grávidas. Os maridos pouco ajudam em casa. A rede pública de creches e jardins-de-infância é insuficiente e as medidas de conciliação entre trabalho e vida familiar são uma miragem. As razões por detrás da queda de natalidade em Portugal estão identificadas. Urge agora, segundo os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, que o Governo dedique à protecção da maternidade o mesmo empenho que aplicou à redução do défice. Até porque, se nada for feito, dentro de 25 anos Portugal (que já é o sétimo país mais envelhecido do mundo) terá 242 idosos por cada cem jovens, conforme alertou o Instituto Nacional de Estatística (INE).

Primeiro, as causas. Para a média nacional de 1,36 crianças por mulher que o INE registou em 2006, contribuíram, além dos já apontados, factores como "o clima de pessimismo que leva a que as perspectivas das pessoas poderem ter uma vida melhor sejam muito reduzidas", adianta Mário Leston Bandeira, presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD), que recua até 1983 para apontar no calendário o primeiro ano em que a taxa de natalidade ficou abaixo dos 2,1 filhos por mulher necessários para garantir a substituição de gerações. "Na altura, quase ninguém deu por isso", sublinhou, antes de formular a pergunta que anda na cabeça de todos: "Quando tivermos 30 por cento da população com mais de 65 anos, quem irá pagar as pensões e os cuidados de saúde a que essas pessoas têm direito?". Assim, insiste, fica claro que "sai muito mais barato investir na natalidade do que depois arcar com as despesas de uma população fortemente envelhecida".

Convencer as mulheres?

Mas, afinal, como é que se convence as mulheres portuguesas a terem mais filhos? "Garantindo a integração dos jovens no mercado de trabalho, porque, enquanto a actual precariedade se mantiver, estes não terão condições para constituir família e procriar", responde Leston Bandeira. Considerando que as recentes medidas de apoio à natalidade adoptadas pelo Governo são benéficas, "até por ajudarem a falar de uma questão que estava esquecida", o presidente da APD considera que é necessário ir muito mais longe na protecção à maternidade. "Gostava de saber até que ponto o novo Código de Trabalho contempla medidas para que as mulheres possam conciliar o trabalho com a vida familiar. As empresas que tenham creches ou políticas "amigas da família" são recompensadas? As que não têm são castigadas por isso?"

Na mesma linha de ideias, Ana Fernandes, demógrafa e docente na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, desvia o olhar para a realidade francesa. "Os franceses tinham uma taxa de natalidade de 1,7 e conseguiram subir para os 2,1 crianças por mulher", sublinha. Por cá, e devido à crise económica, não será fácil atribuir um subsídio às mulheres que queiram, por exemplo, contratar alguém para tomar conta das crianças em casa, como acontece em França. Mas "pode-se e deve-se fazer mais ao nível dos infantários e das creches públicas, alargando a sua taxa de cobertura e tornando os preços mais acessíveis", sugere a especialista, para afirmar convicta: "Se houvesse condições, haveria muito mais mulheres a ter mais filhos e a não retardar tanto o nascimento do primeiro filho."

"Há 20 por cento de portuguesas em idade fértil que gostariam de ter três ou mais filhos e só cinco por cento têm", corrobora Fernando Castro, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), para quem as recentes medidas do Governo no apoio à natalidade são uma gota de água. "O que era importante, por exemplo, era indexar as reformas em função do número de filhos", preconizou. E explicou: "O Governo paga às famílias de acolhimento 300 euros por cada criança, valor esse que depois conta para a reforma. Não pedimos que aos pais biológicos paguem essa quantia, mas pedimos que, quando chegar a altura de fazer as contas para a reforma, estas se façam como se os pais tivessem ganho aqueles 300 euros por mês". Ainda em sede fiscal, o presidente da APFN defende que os casais deveriam poder deduzir até seis mil euros por filho, à semelhança do que se passa com os pais separados e que deduzem o montante pago a título de pensão de alimentos.

Menos filhos a norte

Tradicionalmente mais conservadora, a Região Norte é, actualmente, a região onde as mulheres têm menos filhos, lembrou Mário Leston Bandeira. "O índice de fecundidade é de apenas um filho por mulher, abaixo da média nacional", adiantou aquele responsável.

Explicações possíveis: "O sistema de subsistência na região, muito assente na agricultura e na indústria, entrou em crise e o rendimento das famílias baixou." Não menos importante, segundo o presidente da Associação Portuguesa de Demografia, foi a perda de influência da Igreja Católica. "A Igreja Católica portugue-
sa tinha ali a sua base de apoio, mas foi perdendo grande parte da sua influência. Hoje, o discurso contra o contraceptivo e o preservativo já não convence ninguém", conclui.

"Há 20 por cento de portuguesas em idade fértil que gostariam de ter três ou mais filhos, e só cinco por cento têm", refere a APFN.