Bárbara Simões, in Jornal Público
Em 2007, houve em Portugal mais mortes do que nascimentos. Nunca é assim, mas pode agora ser essa a tendência. "Mais um passo no declínio", comenta o presidente da Associação Portuguesa de Demografia
Olhando para os dados disponíveis, nas mais recentes séries cronológicas do Instituto Nacional de Estatística (INE), que remontam a 1900, não se encontra outro ano em que em Portugal tenha acontecido o que agora se sabe que aconteceu em 2007: o número de mortes (103.727) superou o de nascimentos (102.213). A diferença é de 1514.
É certo que, para alguns períodos, os dados são apresentados apenas de cinco em cinco anos, mas os anos posteriores a 1990 - cenário de grandes quebras na natalidade - estão lá todos; e, apesar da tendência decrescente do número de nados-vivos, até 2007 os que nascem são sempre mais do que os que morrem.
Os números do INE para o ano passado são provisórios e foram publicados no último Boletim Mensal de Estatística, disponível no portal do instituto (www.ine.pt). Não causam grande surpresa ao presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Mário Leston Bandeira: "Estava mais ou menos à vista que íamos entrar num ciclo de crescimento natural negativo. É inevitável e é mais um passo no declínio."
Saldo natural negativo
O crescimento natural da população traduz a diferença entre nados-vivos e óbitos (a outra forma de crescimento demográfico está associada à população migratória). Nos últimos anos, explica Leston Bandeira, "o saldo natural tem vindo a reduzir-se" e a tendência que se esboça para o futuro é que Portugal possa vir a seguir o que já está a acontecer noutros países europeus e apresente um saldo natural negativo.
Dois factores de enorme peso contribuem para esse rumo, lembra: por um lado, a natalidade está em queda e nascem cada vez menos bebés (ver gráfico, que inclui os números de 1950 e 1960); por outro, o envelhecimento da população vai fazendo aumentar o número de óbitos (há mais "candidatos", uma vez que o grupo dos mais velhos tem um peso cada vez maior).
No ano passado, morreram 103.727 pessoas; tinham sido 101.990 em 2006. Nos últimos dez anos, este valor tem oscilado entre 100 mil e pouco mais de 107 mil, sendo difícil detectar uma tendência.
"Teste do pezinho"
A diminuição de nascimentos volta a ser clara no último ano: menos 3236 bebés do que em 2006. Os números do Instituto Nacional de Estatística confirmam uma realidade antecipada ao PÚBLICO, logo em Janeiro, pelo presidente da Comissão Nacional do Diagnóstico Precoce, Rui Vaz Osório.
Uma vez mais, o número de "testes do pezinho" tinha diminuído drasticamente de um ano para o outro - e isso, numa altura em que a taxa de cobertura do rastreio anda muito próxima dos 100 por cento, só pode significar que tinham nascido muito menos bebés.
Tem sido assim várias vezes nos últimos anos e voltou a ser assim em 2007: o Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães, no Porto, que centraliza a análise das amostras de sangue recolhidas através da picada no calcanhar do recém-nascido, logo nos primeiros dias de vida, tinha estudado menos 3030 amostras do que no ano anterior. O total tinha caído de 105.125 para 102.095.
É por isso agora, também sem surpresa, que Vaz Osório toma conhecimento do número de nascimentos (provisório) que consta das estatísticas oficiais. Para já, 2008 parece estar a correr melhor. Nos primeiros três meses deste ano, o rastreio - que actualmente despista 24 doenças hereditárias do metabolismo e o hipotiroidismo congénito - foi feito a 25.471 crianças, mais 453 do que as picadas no primeiro trimestre do ano passado.
Vaz Osório não arrisca previsões, nem para o resto do ano nem para o futuro próximo. "É um bocado difícil... Mas dá-me a impressão de que estamos quase a bater no fundo. Baixar mais do que isto [no número de nascimentos] é muito difícil, já estamos em desequilíbrio...".
Números de 2006
1,36
Índice sintético de fecundidade em Portugal, o que equivale a dizer que cada mulher tem, em média, 1,36 filhos
112
Número de idosos por 100 jovens
200
Número de idosos por cada 100 jovens em 2033, segundo as projecções do INE
20,7
Percentagem de idosos que vivem sós em Portugal
30 por cento
Aumento da população idosa (65 e mais anos) entre 1990 e 2006
4,1
Percentagem de idosos com 80 e mais anos
74,1 anos
Esperança média de vida à nascença (70,6, no caso dos homens, e 77,6, no caso das mulheres)
10
Taxa de nados-vivos por mil habitantes em Portugal (a média da União Europeia a 27 situa-se nos 10,6)
28,1 anos
É a idade média da mulher ao nascimento do primeiro filho
Fonte: Instituto Nacional de Estatística