Leonete Botelho, in Jornal Público
O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) surpreendeu ontem os deputados ao criticar o facto de a violência doméstica ser um crime público (desde o ano 2000) e não permitir à vítima desistir da queixa caso entenda ser a melhor solução.
"A mulher deve poder escolher em liberdade [se quer retirar a queixa], desde que as consequências da violência não sejam irreversíveis", afirmou no Parlamento, quando se pronunciava sobre a proposta socialista da lei do divórcio. "Há uma espécie de feminismo impertinente nestas leis", comentou Marinho Pinto.
O primeiro a reagir foi Nuno Melo (CDS-PP): "A violência doméstica é a maior forma de coacção na família", considerou, defendendo que "o agressor até se pode arrepender, mas nada justifica o acto". Luís Fazenda, líder parlamentar do BE, explicou a lei pelo facto de que, antes dela, a maior parte das vítimas não se queixava. "Sabemos que nem tudo se resolve pela via judicial, mas é uma peça fundamental nesse combate", frisou. "É uma mais-valia da lei", acrescentou Ricardo Rodrigues (PS).
Marinho Pinto tentou corrigir o tiro, lembrando que o combate à violência doméstica faz parte das suas preocupações desde que era presidente da comissão de direitos humanos da OA. Mas voltou a defender a existência de "um certo fundamentalismo" na lei, porque considera que "a vítima não quer justiça - quer vingança". Em seu entender, a violência doméstica é "uma chaga social", mas a "pior violência é contra as crianças e os idosos, que vão continuar a ser silenciados", frisou, numa aparente contradição com a crítica ao crime público.
"É mau legislar de acordo com a moda e com os jornais", considerou o bastonário, referindo-se tanto à violência como ao divórcio. Sobre a proposta de lei socialista, criticou o fim da noção de culpa e do divórcio litigioso. "A culpa está e deve estar associada à cessação do contrato para efeitos de reparação de quem não teve culpa, é uma garantia para as partes mais frágeis, sobretudo quando há crianças", defendeu. Em seu entender, o divórcio litigioso deve continuar a existir "para garantir os direitos das partes".
Quanto ao crédito de compensação, receia que se torne "um ajuste de contas" e preconiza que "vai trazer muitos problemas na prática". Só a responsabilização parental conjunta tem o seu parecer positivo, desde que se garanta que "as crianças não sejam empurradas de um lado para outro". "O casamento é um contrato e os contratos, em princípio, são para cumprir", defendeu.