22.5.08

Antes como ministro e agora na presidência, Sarkozy iniciou tendência para restringir imigração em França

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Quotas predefinidas para afastar ou expulsar ilegais e "imigração escolhida" defendida pelo Presidente são rejeitadas por grupos de defesa dos sem-papéis


Baba Traoré tinha 29 anos, era maliano e vivia em França em situação irregular. Morreu no início de Abril quando fugia a um controlo da polícia em Paris. Com medo de ser apanhado e expulso, lançou-se ao rio e sucumbiu a um ataque cardíaco. Não foi o primeiro. No último ano houve pelo menos dois outros casos de imigrantes - um homem tchecheno e uma mulher chinesa - que morreram por se colocarem em situação de perigo por medo de serem levados pela polícia por falta de documentos.

O caso de Baba Traoré levou a oposição e movimentos de defesa dos imigrantes a denunciar "um clima de terror" em França. Nos dias que se seguiram à sua morte, foram organizadas manifestações nas ruas de várias cidades contra uma "política dos números geradora de angústia e de tantos dramas" e contra a "xenofobia de um Estado que mata", como defenderam as associações que desfilaram.

A "política de números" a que se referiam são os "objectivos quantificados" ou de "quotas" para as expulsões de ilegais estabelecidos pelo Governo que rejeita o termo "expulsões", preferindo usar o termo "afastamentos".

Para 2007, o ministro da Imigração, Integração e Identidade Nacional, Brice Hortefeux, fixou o objectivo em 25 mil; conseguiu 23 mil, mesmo depois de em Setembro ter convocado os prefeitos para lhes pedir para intensificarem as acções para cumprir as "quotas" fixadas. Para 2008, os objectivos apontados são de 26 mil expulsões.

As pessoas em maior risco de serem expulsas são imigrantes de longa data que foram ficando e nunca viram a sua situação regularizada, explica ao PÚBLICO Virginie Guiraudon, investigadora do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) na Universidade de Lille especializada em política de imigração na União Europeia. São essencialmente cidadãos da África subsariana, países do Magrebe ou China.
Estas quotas para ilegais a serem expulsos ou afastados aumentaram em relação a anos anteriores mas sempre existiram. Em 2004, o objectivo era 15 mil expulsões; em 2005, passou a ser de 20 mil.

Restrição mas não à italiana

Mas mais importante: estes objectivos passaram a ser anunciados de forma clara e isso contribuiu para colocar a imigração no centro do debate tendo como pano de fundo um discurso, durante a campanha eleitoral, de restringir a imigração.

Mesmo assim, continua Virginie Guiraudon, as restrições não são tão visíveis em França como o começaram a ser em Itália com a tomada de posse de Silvio Berlusconi como chefe do Governo, este mês. Ao mesmo tempo, nota semelhanças: o primeiro-ministro italiano quer aplicar a obrigatoriedade de fazer testes de ADN para justificar pedidos de reagrupamento familiar no país, inspirando-se na medida aprovada em França no fim do ano passado. E reconhece: Sarkozy acelerou as medidas restritivas, não apenas desde que chegou ao Eliseu há um ano, mas logo quando foi ministro do Interior entre 2005 e 2007. Em dois anos, passou três leis restritivas: duas sobre autorizações de residência e uma que dificulta os casamentos mistos como forma de evitar os "casamentos de conveniência".

Antes disso, a lei verdadeiramente restritiva da imigração, em França, foi a Lei Pasqua de 1993 (do tempo do ex-ministro Charles Pasqua).

O Governo do primeiro-ministro François Fillon exclui qualquer regularização em massa de imigrantes ilegais como aconteceu por exemplo no tempo do socialista Lionel Jospin com o ministro Chevènement. Em vez disso, passou a falar de regularizações "caso a caso" na perspectiva de uma "imigração escolhida" e não "submetida", como defendeu o Presidente Sarkozy no início de 2008.

A mensagem era que o Governo começaria a regularizar trabalhadores não regularizados nos sectores com falta de mão-de-obra. As associações mobilizaram-se. E esta semana centenas de imigrantes sem-papéis reiniciaram uma greve nos restaurantes, depois da primeira vaga em Abril que levou o ministro Hortefeux a admitir a hipótese de regularizações caso a caso.

O movimento dos trabalhadores sem-papéis ganhou força com o apoio dos patrões. Esta semana, alguns restaurantes dos conhecidos Campos Elísios, no coração de Paris, estão em greve contra a "imigração escolhida". A propósito da introdução desse conceito e no dia em que o maliano Baba Traoré morreu, o jornal Le Monde escreveu em editorial: "Para que uma nova imigração escolhida seja credível é preciso que a luta contra a imigração clandestina seja conduzida com discernimento e humanismo".