Jorge Almeida Fernandes, in Jornal Público
A imigração clandestina passa a ser delito em Itália. A decisão foi ontem tomada pelo Conselho de Ministros, reunido pela primeira vez, em Nápoles, sob a presidência de Silvio Berlusconi, tendo como ponto central da agenda a resolução da "crise do lixo" da cidade. As medidas relativas à imigração ilegal estão inseridas num "pacote de segurança", que inclui a luta contra a grande criminalidade.
O ministro do Interior, Roberto Maroni, explicou que a criação da figura do delito tornaria mais fáceis a expulsão de clandestinos e a restrição das autorizações de reagrupamento familiar.
Na conferência de imprensa, Berlusconi insistiu na associação entre a repressão da criminalidade, inclusive a mafiosa, e o combate à imigração clandestina: "Discutimos um assunto importante que diz respeito a todos os italianos, o da segurança, o medo que os cidadãos sentem e o seu direito a não terem medo."
A questão da segurança foi um dos cavalos-de-batalha da direita na campanha eleitoral. O assassínio de uma idosa, em Roma, atribuído a um imigrante do Leste, levou à amálgama entre "ilegais" e aumento da criminalidade.
Algumas das medidas, aprovadas por decreto, entrarão imediatamente em vigor, como a expulsão de estrangeiros condenados a uma pena de prisão superior a dois anos (anteriormente, dez) ou a punição severa de quem albergue clandestinos.
Outras serão apresentadas ao Parlamento, até Julho, como a proposta de punição do delito de imigração clandestina com uma pena de seis meses a quatro anos de prisão - admitindo-se que a pena só venha a ser aplicada a reincidentes. O reagrupamento familiar ficará dependente de testes de ADN. Os imigrantes originários da UE deverão fazer prova de um rendimento fixo legal e de um "alojamento decente". Obrigar crianças a mendigar passa a ser punido com três anos de prisão. Estas duas últimas medidas visam, aparentemente, os ciganos romenos.
Críticas da Igreja
A instituição da figura do delito de imigração clandestina - que existe em alguns países europeus - dividiu a maioria governamental e foi criticada pela oposição de centro-esquerda. As medidas adoptadas são uma versão mitigada das propostas drásticas da Liga Norte (xenófoba), que pedira inclusive a suspensão dos acordos de Schengen sobre a livre circulação dentro da UE. O centro-esquerda está numa posição defensiva, pois o anterior executivo, de Romano Prodi, nunca assumiu frontalmente o problema. Por outro lado, é preocupante a eclosão de reacções xenófobas, como a destruição, há dias, de dois acampamentos ciganos em Nápoles, pelos vizinhos.
Organizações católicas, como a Caritas, e protestantes denunciaram antecipadamente o projecto governamental, que a imprensa da Igreja considera "desproporcionado" e, inclusive, "ilegítimo" em matéria de reagrupamento familiar.
"Não são necessárias regras especiais, basta aplicar as que já existem", declarou o cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício para a Justiça e a Paz.
Bruxelas deverá examinar "à lupa" a nova legislação, sobretudo depois de protestos de entidades romenas e húngaras e de o Parlamento Europeu ter condenado os atentados contra ciganos. Arrisca-se a ser mais um handicap para a imagem internacional de Berlusconi.
De resto, trata-se de medidas a serem aplicadas a título "exemplar". Há em Itália pelo menos 650 mil imigrantes ilegais indispensáveis ao funcionamento das empresas. E o Governo já tranquilizou as famílias: estas medidas não se aplicarão às 400 mil trabalhadoras domésticas estrangeiras em situação ilegal.
Berlusconi justificou as medidas em nome do "medo que os cidadãos sentem e do seu direito a não terem medo."