14.5.08

Crise alimentar: Pizzaria em Lisboa oferece refeições a pessoas necessitadas

in Lusa

Uma pizzaria lisboeta oferece, todos os dias, refeições aos carenciados, distribuindo-as em várias zonas da cidade ou, directamente, no restaurante, onde algumas pessoas já se habituaram a ir pedir comida.

Pizzas e outras refeições - porque estas pessoas "não podem comer sempre a mesma coisa" - saem diariamente da cozinha da "Il Panzonne", uma pizzaria situada no centro comercial Via Veneto, em Lisboa, para alimentar pessoas carenciadas e sem-abrigo, uma situação que surgiu da colaboração do restaurante com a Nóuni, Associação para a Cooperação e Desenvolvimento.

Cerca de 30 pizzas oferecidas pela pizzaria são diariamente distribuídas aos sem-abrigo em várias zonas de Lisboa, por carrinhas de voluntários da Nóuni, e, através do "passa a palavra", algumas pessoas começaram a aparecer no restaurante.

A Nóuni, cujo nome em crioulo significa "todos unidos", é uma associação de direito internacional que surgiu há dez anos com o objectivo inicial de "ajudar os filhos dos emigrantes PALOP em Portugal", com principal ênfase na área jurídica, relacionando-se com a questão da "legalização", "mas rapidamente evoluiu para os sem-abrigo e idosos", explicou à Lusa o vice-presidente da organização, Carlos Carvalho.

O presidente da Nóuni, Agostinho Amado Rodrigues, conheceu o casal Craveira, proprietário do restaurante, há três anos, e desde então a "dona Cândida" e o "senhor António" colaboram com a associação.

"Nós não damos só pizzas. Cozinhamos qualquer prato, eles não podem comer sempre a mesma coisa", disse Cândida Craveira, que actualmente já integra o próprio corpo de voluntários da Nóuni que distribui as pizzas por locais como "Santa Apolónia, Praça do Comércio, Cais do Sodré, Rossio, Santos, Anjos".

"Agora algumas pessoas já vêm cá [ao restaurante] diariamente", "dizem 'olhe temos fome e gostávamos de comer qualquer coisa' ou não precisam de dizer nada porque já os conhecemos", contou a dona do restaurante.

Não se identificam pela aparência.

"Num dos jantares organizados pela Nóuni, apareceu uma senhora muito bem vestida, de vison, que me perguntou se podia comer. As meninas que estavam a servir vieram ter comigo a perguntar porquê que uma senhora de casaco de peles precisaria de ajuda. Respondi que aquela pessoa em tempos poderia ter estado numa situação muito boa e agora necessitava de apoio", exemplificou Cândida Craveiro.

"Costumo dizer que hoje em dia qualquer pessoa está a um salário de se tornar sem-abrigo", acrescentou.

Higino Silva ou "Gino", nome artístico por que todos o tratam, é um artista plástico natural de São Tomé e Príncipe que recebeu a ajuda da Nóuni.

"Vim para Portugal na altura da Expo '98 representar o meu país com quadros, esculturas e artesanato. Os dirigentes do pavilhão de São Tomé e Príncipe venderam os meus trabalhos e não me pagaram", lamentou o artista, que acabou por ficar em Portugal a trabalhar numa "loja de móveis" ou mesmo "nas obras" para ganhar dinheiro.

Há três meses, Gino resolveu falar sobre a sua situação precária com o vice-presidente da Nóuni, Carlos Carvalho, que se encontrava entre os voluntários numa das entregas de pizza na Praça do Comércio.

"Levei-o para a minha casa, agora mora comigo", descreveu o vice-presidente da Nóuni, que diz assim ter companhia daquele que "já se tornou um irmão".

"Nas águas furtadas estamos a construir um espaço com um ateliê para o Gino viver e onde poderá trabalhar a sua arte", descreveu o vice-presidente da associação, apontando para um quadro do artista pendurado na parede da pizzaria.

"É isto que nós queremos: ver a vida das pessoas a mudar realmente", reiterou a dona do restaurante, que prefere "dar 1000 euros para um jantar para sem-abrigo", como na consoada de Natal organizado em conjunto com a Nóuni no Natal, "em vez de dar uma viagem de finalistas" à sua filha.

A atitude, explica, vem da sua infância: quando tinha onze anos, o pai emigrou para os Estados Unidos e ajudou 85 famílias portuguesas a instalarem-se lá também.

"Eu, muito nova, fazia de tradutora, procurava casas para eles, médicos, tudo", recordou a "dona Cândida".

"Aprendi com o facto de ter vivido fora que deves partilhar com os outros. O que dás, volta para ti", afirmou, confiante.

AZR