Luís Naves, in Diário de Notícias
Jovens carenciados mostram que é possível voltar a aprender
Na traseira da escola secundária Marquês de Pombal, em Belém, um grupo de jovens prepara salas para um "chá da inclusão", previsto para hoje e para o qual foram convidados autarcas e directores de empresas. Alguém vindo de fora pensará que os preparativos não estão muito organizados, mas os estudantes, entre os 14 e os 17 anos, são especiais, à sua maneira: vivem nos bairros mais pobres de Lisboa e estiveram expostos ao tráfico de droga, à prostituição. As raparigas são mães.
Estas actividades decorrem no âmbito do Programa para Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PETI), criado há dez anos, em resposta a uma reportagem da BBC, que teve forte impacto. O dinheiro vem de dois ministérios (Educação e Trabalho), para financiar os programas integrados de educação e formação. Parecem nomes complicados, mas os objectivos são simples: prevenir o trabalho infantil e afastar os jovens da marginalidade e da violência.
Esta é a parte difícil. Adílio, por exemplo, foi expulso da escola aos 13 anos. Agora, regressou, para completar o 9.º ano. Os seus colegas de aula sempre o conheceram com pulseira electrónica. "Fiz o 6.º ano", explica, com orgulho, enquanto mostra aos seus colegas o pulso despido. "Livre como um passarinho", diz. A pulseira impediu-o de ter estágio pago nos Pastéis de Belém, mas talvez haja outras oportunidades. O objectivo do PETI é dar formação e preparar os alunos para o mundo do trabalho. Adílio gosta de pintar, sonha com artes gráficas, parece acreditar na sua oportunidade: "Não sou de ficar só na esperança", afirma.
As vantagens do PETI são óbvias. Os alunos chegam "sinalizados" pelas instituições ou pelos vizinhos. Abandonaram a escola e vivem em ambientes violentos. "É quase um ensino individual, é mesmo um ensino individual", explica o professor de Matemática Licínio Mendes. "Mas é um partir pedra que dá satisfação." O currículo é adaptado e há latitude nos temas, visando a motivação.
Os jovens participam em serviços sociais, em lares de idosos, recolhem roupa para os sem-abrigo, ajudam no banco alimentar. Job, de 17 anos, trabalha na GNR, ali perto, a tratar de cavalos. Miriam, também de 17, num supermercado. É ela quem explica a motivação do estudo: "Temos um filho, temos de pensar nele", afirma, apontando para si própria e para as colegas que estudam a seu lado.
Esta zona da escola é um mundo à parte. Há degradação nos pavilhões semidesertos: erva por cortar, tabiques partidos. O hino do núcleo, resume, em ritmo de rap: "Agora é para valer, não vamos desistir. A vida não é fácil, isso a gente já sabia."


