19.5.08

"Europa não pode carregar sozinha o ajustamento dos desequilíbrios mundiais"

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Christine Lagarde diz que o BCE contribui para a melhorar as actividades económicas europeias


Em Portugal, para apresentar ao ministro das Finanças português as prioridades da presidência francesa da União Europeia (UE), Christine Lagarde, diz, em entrevista por escrito ao PÚBLICO, que o objectivo francês de equilibrar as contas públicas até 2012 é para manter.

O pior da crise financeira internacional já passou?

Há sinais muito encorajadores. A Europa e o G7 lançaram um apelo aos bancos internacionais para fornecerem informações transparentes sobre as perdas ligadas aos empréstimos hipotecários americanos. Este processo está bem encaminhado. Isso verifica-se com a recente publicação dos resultados trimestrais dos bancos. Os mercados de dívidas normalizam-se. As empresas do sector não financeiro estão a resistir bem às turbulências, o que em parte explica o relançamento dos mercados de acções desde Janeiro. Persistem ainda alguns pontos que merecem vigilância, nomeadamente os financiamentos interbancários. Trabalho insistentemente para que as medidas identificadas pela Europa e o G7, com vista à correcção dos disfuncionamentos nos mercados, sejam rapidamente implementadas. Isto é primordial para restabelecer a confiança.

Alguns bancos franceses estão entre os mais afectados pelo subprime. De quem é a culpa?

Ao contrário, verifico que o sistema financeiro francês está a resistir bem. As turbulências não provocaram nem grandes planos de recuperação, nem perigos no sector bancário francês. Os bancos estão, pelo contrário, sólidos e diversificados. O nosso sistema de supervisão funcionou bem, nomeadamente com uma colaboração muito estreita entre as autoridades competentes.

O BCE continua mais preocupado com a inflação do que com o crescimento. O que a preocupa mais?
Lutando contra a inflação na zona euro, o BCE contribui inequivocamente para melhorar as actividades económicas europeias. O euro forte permite também amortizar os efeitos das subidas dos preços das matérias-primas e do petróleo. No entanto, uma forte valorização do euro prejudica a competitividade das exportações europeias e portanto o crescimento. Por outro lado, em algumas regiões do mundo, nomeadamente na Ásia, a evolução das divisas não reflectem os fundamentos de economias muito dinâmicas, pois elas são geradas de maneira administrativa. O que torna mais difícil a tarefa das nossas empresas. Assim, a Europa não pode aceitar carregar sozinha o peso dos ajustamentos dos desequilíbrios mundiais.
Disse que o euro estava sobrevalorizado em 20 por cento. Defende uma actuação política europeia para trazer o euro para um valor mais baixo?
Não me pronunciei sobre um nível exacto, nível que seria vão tentar determinar de maneira científica. O que constato é que os países-membros da zona euro estão em total consonância no diagnóstico que fazem da situação do mercado de câmbios. Estamos convencidos de que o que é prejudicial para as nossas empresas e economias, são mercados de câmbios voláteis e marcados por evoluções brutais, como o que aconteceu recentemente. Há uma total convergência de pontos de vista a nível europeu sobre este assunto - o que é essencial. Precisamos de um sistema financeiro internacional forte e estável e não de flutuações excessivas. O apelo que foi lançado há algumas semanas em Washington teve esse fim. Verifico que a mensagem começa a ter eco.
A vossa previsão para o défice de 2009 é de dois por cento, mas a Comissão Europeia (CE) aponta para três. O objectivo de equilíbrio orçamental em 2010 é para manter?
Contesto absolutamente as previsões da CE. Não se enquadram com os números do crescimento francês, publicados a 15 de Maio: 2,2 por cento em 2007, enquanto os estudos da CE baseiam-se na hipótese de 1,9 por cento. Por outro lado, tivemos um excelente primeiro trimestre de 2008 (0,6 por cento), que dá uma forte probabilidade de o nosso crescimento este ano se aproximar do ritmo observado em 2007. A CE, com uma previsão de 1,6 por cento, considera implicitamente que o nosso crescimento seria nulo até o fim do ano, o que não é razoável. Quando as previsões de crescimento são erradas, as previsões do défice também o são. Desde há cinco anos, o Estado tem respeitado a sua norma de progressão das despesas, quer dizer zero por cento em volume para 2008. Pedi à CE para explicar as previsões que fez para a França relativas a 2008 e 2009. Continuo à espera da resposta. No geral, confirmo que a França permanece completamente determinada a estabilizar as suas finanças públicas e a retomar o equlíbrio orçamental o mais tardar em 2012.
Quais são os seus principais objectivos na visita a Portugal?

Como sabe, França assume a presidência do conselho da União Europeia a partir de 1 de Julho, depois de Portugal e da Eslovénia. Nesta perspectiva, é importante ir ao encontro dos meus colegas para averiguar as suas expectativas e prioridades no domínio económico e financeiro para os seis meses que se seguirão. É, portanto, natural que venha ter uma conversa profunda com o ministro Teixeira dos Santos, que aliás conheço muito bem, pois todos os meses participamos juntos nas reuniões dos ministros das Finanças europeus, e já mantivemos várias discussões bilaterais. Acrescento que o Fernando presidia o conselho Ecofin quando integrei este círculo e conto evidentemente com os seus conselhos e opiniões, para ter êxito neste exercício delicado que implica encontrar consensos. A vontade da França durante a sua presidência não é a de tentar impor objectivos nacionais de maneira egoísta, mas, ao contrário, pôr-se ao serviço do interesse comunitário e criar consensos tão ambiciosos quanto possíveis. Parece-me, por exemplo, que, no seguimento dos trabalhos da presidência eslovena, podemos ainda trabalhar para o reforço da estabilidade e da solidez do sistema financeiro europeu, harmonizando a sua supervisão. A Europa pode também ser mais ambiciosa para oferecer um ambiente favorável às pequenas e médias empresas, que são um dos motores primordiais do crescimento económico.

Christine Lagarde não precisou de ser ministra para fazer parte da lista das 50 mulheres mais poderosas do mundo realizada pela revista Forbes. Em 2006, quando liderava a firma de advogados Baker & Mckenzie, conseguiu o 30.º lugar. E agora, depois de se ter tornado a primeira mulher a participar numa reunião do G8 como ministra das Finanças, a sua subida no ranking do poder não deve ficar por aqui. Lagarde é uma das principais figuras do Governo francês e tem a difícil tarefa de conseguir controlar o défice público. Adepta de reformas, criou grande polémica quando defendeu que os franceses pensavam demais. "Já chega de pensar, toca a arregaçar as mangas", afirmou em plena Assembleia Nacional.