Ricardo Dias Felner, in Jornal Público
Estudo do Observatório da Imigração revela que cidadãos estrangeiros são forçados a pagar quantias "excessivas"
Os governos têm usado taxas e emolumentos relativos à regularização de cidadãos estrangeiros quer para controlar a vinda para Portugal de mais imigrantes, quer para financiarem os cofres do Estado. Estas são duas das conclusões de um estudo encomendado pelo Observatório para a Imigração, que se focou nas três principais comunidades imigrantes (ucraniana, cabo-verdiana e brasileira) e que deverá ser hoje apresentado.
Da pesquisa feita pelos investigadores Tiago Santos e Edite Rosário resulta que os imigrantes, para manterem a sua situação regular no país, têm de apresentar mais documentos do que os portugueses - e mais vezes - e têm de pagar muito mais por eles.
Esta situação, segundo os autores, não é inocente, antes representando "mecanismos de controlo do stock migratório e simultaneamente reflexos de uma política que perspectiva a imigração como um fenómeno temporário".
Também Roberto Carneiro, coordenador do Observatório da Imigração, é crítico. "Os resultados deste estudo são elucidativos quanto ao grau de discriminação que impende negativamente sobre grupos populacionais que demandam Portugal em busca de soluções de vida", escreveu, na nota de abertura do documento.
O ex-ministro da Educação faz ainda notar que vários indicadores mostram os benefícios financeiros, económicos e demográficos da integração de fluxos migratórios recentes em Portugal, questionando os custos impostos às mesmas populações.
A mesma reflexão é feita por um dos imigrantes ouvidos para a produção do trabalho, um cidadão ucraniano, há sete anos em Portugal: "Isto é mau para todos. Mas (...) nós é que estamos por baixo de todos, os últimos da fila."
Acresce que as receitas, sobretudo angariadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), não são directamente aplicadas em seu benefício. No que respeita às multas, nomeadamente, 40 por cento dessas receitas ficam no SEF e 60 por cento vão para os cofres do Estado.
Para se ter uma ideia da "injustiça" e da ordem de discriminação, os investigadores comparam o custo dos documentos de identificação de portugueses e de imigrantes (os bilhetes de identidade e as autorizações de residência, respectivamente), concluindo que "os brasileiros e os cabo-verdianos pagam três vezes mais pelo documento do que um cidadão nacional", e que relativamente aos ucranianos, por sua vez, esse valor é 16 vezes mais alto. Este exemplo mostra outro ponto polémico, que tem gerado dúvidas constitucionais: mesmo entre as próprias comunidades imigrantes notam-se diferenças abissais nos custos dos documentos e no tipo de procedimentos.
Os ucranianos "encontram-se geralmente em desvantagem", em virtude de não serem originários de um país com o qual Portugal tenha acordos bilaterais em matéria de imigração. Para se ter uma ideia desta diferença, na obtenção de uma autorização de residência permanente, os ucranianos têm de pagar 223,20 ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, enquanto os brasileiros e os cabo-verdianos pagam 21,10 euros. A esta dificuldade legal soma-se uma outra decorrente da língua. Todos os documentos ucranianos, como certidões de casamento ou de nascimento (requeridas sistematicamente), necessitam ser autenticadas pela embaixada e traduzidas, sendo o custo médio por página de 15 euros.
As recomendações do estudo são claras: "Os valores das taxas e emolumentos actualmente cobrados pela emissão de documentos para cidadãos estrangeiros afiguram-se excessivos, pelo que uma substancial redução dos mesmos parece recomendável."
223 euros é quanto têm de pagar os cidadãos estrangeiros ucranianos por uma autorização de residência permanente