5.5.08

"Vivemos tempos difíceis, tempos muito perigosos"

Catarina Canotilho, Fundão, Diário de Notícias

António Guterres, ALTO COMISSÁRIO DA ONU PARA OS REFUGIADOS

Que significado tem ser homenageado em Donas, na terra que, como disse, escolheu para ser sua, qual é o significado desta homenagem para si?

Tem um significado muito profundo visto que se trata de uma cerimónia feita com uma grande simplicidade e com uma grande autenticidade promovida pela gente boa desta terra à qual eu me sinto profundamente ligado. É aqui que estão as minhas raízes, a minha identidade.

Falou nas marcas da sua infância e como elas guiaram o seu percurso político.

Eu vinha de uma família privilegiada - não éramos propriamente ricos, mas vivíamos bem - e muitos dos meus amigos aqui nas Donas andavam de pé descalço. Não comiam carne todos os dias, não tiveram o mesmo acesso à educação e isso sem dúvida que me marcou no sentido em que nós só temos o direito a viver na medida em que formos capazes de pôr a render os talentos com os quais fomos dotados. Lembrar essa infância foi sempre essencial para compreender aquilo que podia dar sentido à minha forma de intervir na sociedade.

As dificuldades agravam-se e todas as organizações internacionais dizem que com a escalada dos preços dos cereais está a ser muito difícil prestar apoio.

Nós vivemos tempos difíceis. Tempos muito perigosos. Não é apenas a subida dos preços dos alimentos ou da subida do preço da energia. Há também uma desaceleração da economia mundial que sobretudo se faz sentir nos países mais pobres - são sempre os mais pobres que sentem as crises - e por outro lado temos as alterações climáticas que começam a ter um impacto muito preocupante a nível global. E temos ainda o agravamento das crises e dos conflitos. Se olharmos para o Afeganistão, para o Iraque, para a Palestina, Sudão (esperemos que não no Líbano) há uma série de ameaças que, ou se concretizaram já ou estão como uma espada sobre as nossas cabeças. Da maneira como estamos, como comunidade internacional, a olhar para o mundo não iremos longe.

E para a realidade nacional, como é que olha?

Devo dizer que olho com uma grande distância, na medida em que não tenho actividade política, nem quero ter actividade política. Como é sabido sou muito amigo do primeiro-ministro, ele foi, durante muitos anos, o meu líder político precisamente aqui no distrito e desejo-lhe a ele, à sua equipa e ao País os maiores êxitos. Eu agora abri outro capítulo e não quero, nem vou, intervir na vida política portuguesa. Apenas desejo o melhor ao meu País e àqueles que por ele lutam.

Um estudo publicado pelo DN diz que temos uma das piores democracias da UE.

Não acredito nisso de maneira nenhuma.