6.7.21

Aumentou severidade de casos de violência doméstica nos Açores, diz associação

 in Público on-line

A pandemia de covid-19 “aumentou a severidade” dos casos de violência doméstica nos Açores, região com uma elevada taxa de incidência destas situações.

Este ano ainda não existem números totais, mas a APAV assinala “um aumento” de situações, cuja “complexidade de actuação se manteve”. Apontando uma “ligeira diminuição no número de processos de apoio de 2019 para 2020”, a gestora do gabinete de apoio à vítima da APAV de Ponta Delgada, Raquel Rebelo assinala que “os casos tiveram uma maior severidade”. 

 Dados avançados de 2019 indicam que o gabinete de Ponta Delgada (ilha de São Miguel) da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou um total de 1.011 atendimentos a 285 vítimas de 1.048 crimes. Maria José Raposo, coordenadora da UMAR — União de Mulheres Alternativa Resposta/Açores alerta que a pandemia originou casos com “contornos mais severos”, por exemplo de mulheres “com mais de 60 anos, que toda a vida tiveram na conjugalidade comportamentos graves de violência e chegaram uma altura em que, física e psicologicamente, já não conseguem suportar tamanha violência”. Para a responsável, a elevada incidência de casos de violência doméstica nos Açores poderá ser justificada por padrões de uma “sociedade patriarcal” incutidos e "transmitidos pela mãe ou pelo pai”. Isto faz com que as vítimas “minimizem todos os sinais de violência conjugal”, submetendo-se a comportamentos agressivos, descreveu. 

“Estamos ainda com resquícios bastante acentuados de uma sociedade patriarcal, em que o homem ainda prevalece nas relações. Se isto for incutido às raparigas, elas partem para aquela relação já em desigualdade. Portanto, vão ser submetidas a uma subjugação emocional, física, psicológica, económica e financeira”, explicou à Lusa a coordenadora da UMAR/Açores. 

 Paralelamente à violência conjugal, a técnica de apoio à vítima da UMAR revela ainda a existência com “muita frequência” de casos de violência dos filhos sobre pais, em concreto “sobre as mães” e que “têm muito a ver com consumos de álcool e outras substâncias”. A ilha de São Miguel, onde está situado em Ponta Delgada o gabinete de apoio à vítima da APAV, tem perto de 80% dos de casos de violência. As denúncias surgem “via contacto telefónico, através da própria vítima e da comunidade, nomeadamente vizinhos, conhecidos, amigos, familiares, e até de colegas de trabalho”, segundo dados da APAV. Relativamente às faixas etárias, as vítimas mais frequentes têm entre os 25 e os 54 anos de idade. Na maioria dos casos, os agressores são cônjuges ou ex-cônjuges. Em 2020, ano que abrange a pandemia de covid-19, a APAV “apoiou 250 pessoas vítimas de crime”. 

 Em causa estão situações que “já vinham ocorrendo”, mas que se intensificaram com o confinamento e a convivência mais permanente entre as vítimas e os agressores, levando a uma actuação que implicou “mais articulações com outras entidades”, nomeadamente ao nível da saúde, habitação e com a PSP. Segundo a responsável, “as convivências prolongadas vieram a acentuar escaladas de violência”. Maria José Raposo adiantou que a UMAR tem realizado, por ano, “entre 60 a 70 ações de formação de igualdade de género”. Nos Açores existe uma rede integrada de apoio à mulher vítima de violência que junta várias instituições com repostas nestas áreas e linhas telefónicas que funcionam diariamente. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou em junho, por unanimidade, um voto de protesto apresentado pelo PSD contra “toda e qualquer forma de violência doméstica”. 

 “Os Açores têm sido, sucessivamente, a região do país com maior taxa de incidência de casos de violência doméstica”, justificou na ocasião a deputada social-democrata Sabrina Furtado, no plenário da Assembleia Legislativa dos Açores.