Vitor Almeida, in Jornal a Verdade
A falta de hábitos de trabalho e de competências sociais e parentais caracterizam a pobreza em Baião, concelho onde quase um em cada dez habitantes vive com o Rendimento Social de Inserção (RSI).
De acordo com o estudo divulgado pela Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (REAPN), que analisou os impactos do emprego/desemprego em oito concelhos da região do Tâmega, em Baião, 9,5 por cento da população beneficia do RSI e o concelho regista um aumento forte no que respeita ao desemprego feminino.
Em Janeiro deste ano, 79 por cento dos desempregados do concelho eram mulheres, sendo Cristina, de 35 anos e mãe de quatro filhos, exemplo disso.
Cristina vive mensalmente com os 240 euros do RSI e pouco mais de 300 euros que o marido leva para casa, fruto do seu trabalho irregular na construção civil, o negócio predominante do concelho.
Com a sua filha mais nova ao lado, Cristina, que nunca teve um emprego "por causa da saúde", vai fazendo o campo que lhe emprestaram para levar para casa cebolinho, couves e feijão.
"Tenho uma doença que não me permite trabalhar com pó", afirmou à Lusa, justificando assim o facto de nunca ter tido um emprego.
Cristina afirmou desejar ter um emprego, no entanto, adiantou que "a cabeça anda com consumições" que a impedem de trabalhar, provando as indicações do estudo da REAPN, que refere ser "possível delinear um conjunto de indivíduos que se recusam ou estão desmotivados para a (re)entrada no mercado de trabalho".
O cunhado de Cristina, José Marques, chegou à conclusão que trabalhar em Baião "não dá nada" e recentemente decidiu emigrar para Angola, onde é ladrilhador, uma opção cada vez mais real no concelho.
"Aqui há muitos homens que estão a trabalhar fora, em Espanha", adiantou, acrescentando que as mulheres ficam em casa.
Para José Marques, em Baião até há emprego para os homens, "mas desde que tudo começou a encarecer, há três anos, ficou insuportável" suportar as despesas e o dinheiro no fim do mês não chega.
Em Luanda, José consegue arrecadar mais de duas vezes mais do que aquilo que ganhava em Baião, podendo assim ajudar os dois filhos nos estudos.
Na opinião deste ladrilhador emigrante, são as pessoas que fazem a pobreza, e apontou o exemplo do seu cunhado, que já lhe disse directamente que não queria ir trabalhar para fora porque "gosta de ouvir tocar o sino" da igreja local.
José Marques criticou a forma como as pessoas vivem dependente do RSI, afirmando que "com esses subsídios a população não faz pela vida".
O seu filho, Cristiano, de 18 anos, terminou agora o 11º ano de escolaridade, e afirmou à Lusa querer ser polícia, ingressando na escola em Lisboa.
Porém, Cristiano escolheu esta profissão porque "dá emprego garantido", adiantando que muitos jovens do concelho (de freguesias mais rurais e onde se regista maior taxa de abandono escolar) acabam nas obras.
Uma técnica da Acção Social da Câmara de Baião adiantou que "o ciclo de pobreza, que é quase geracional, não se consegue romper", porque a população "tem ausência de hábitos de trabalho, de competências sociais e até parentais".
Exemplo disso é também Adelaide, com mais de 50 anos, que vive numa habitação que apenas dispõe de uma cozinha e uma outra divisão, que funciona como quarto e sala.
Mãe solteira de sete filhos, entregues a famílias de acolhimento, Adelaide não trabalha e não consegue organizar/limpar a sua pequena casa para que a autarquia possa projectar o seu aumento, para que tenha uma casa-de-banho, no âmbito do Fundo de Solidariedade Social.
A Câmara de Baião conta com 102 agregados familiares inscritos neste fundo, que tem por objectivo contribuir para a erradiação ou atenuação da pobreza e da exclusão social e a promoção do desenvolvimento social do concelho.
Segundo a técnica, como não há indústria em Baião, apenas empresas de construção civil, os empregos escasseiam e as pessoas vivem muito de economia informal, fazendo um campo hoje e um outro amanhã.
O trabalho apresentado pela REAPN refere que a realização de biscates, trabalho em casa e não declarado apresenta "uma incidência transversal em todas as categorias sociais e concelhos".
Acrescentou que os idosos com pensões baixas são outro grande problema em Baião, sendo que muitos vivem ainda "com problemas básicos", como ausência de saneamento, electricidade e água.
Na freguesia de Ovil, Raul, de 76 anos, vive numa casa com a sua mulher e dois filhos, com apenas 350 euros que recebe de pensão.
"Metade do rendimento é gasto com os medicamentos da mulher", disse, lamentando ainda que os remédios tenham que ser comprados a conta-gotas, por não dispor de dinheiro para tudo.
A sua irmã Maria Arminda, com pouco mais de 50 anos, vive numa pequena casa ao lado da sua que não tem água, nem casa-de-banho, recebendo por mês uma pensão de sobrevivência e o RSI, num total de 181 euros.
Raul mostrou-se revoltado com a actual situação, designadamente com a forma como as pessoas vivem na dependência dos subsídios, quando ele trabalhou 36 anos para receber uma pequena pensão.
"Antes do RSI os jovens ainda andavam por ai a fazer algum trabalho, agora andam nos cafés", disse, considerando que "a mocidade há-de mendigar, porque não sabe pegar numa enxada e não quer fazer nada".
"Baião apresenta um comportamento demográfico mais marcado por uma dinâmica de diminuição da população e um crescimento dos seus índices de dependência e de envelhecimento", conclui o estudo.
O município de Baião localiza-se no limite interior leste do distrito do Porto, sendo constituído por 20 freguesias, num total de cerca de 17.400 quilómetros quadrados.