João Ramos de Almeida, in Jornal Público
A integração europeia e o maior entrosamento da economia portuguesa na economia internacional trouxeram uma espécie de regresso ao passado
A década de 80 marcou o início de uma tendência para a concentração do rendimento, no final do século XX, referem dois estudos universitários sobre a evolução dos rendimentos em Portugal durante esse século. As desigualdades foram marcantes na década de 30, mas atenuaram-se no pós-guerra até ao final da década de 70. Mas, a partir daí, as desigualdades agravaram-se.
Um dos artigos - Top incomes and earnings in Portugal 1935-2004 - é do economista Facundo Alvaredo. O outro - Top income shares in Portugal over twentieth century - é da autoria de Jordi Guilera Rafecas. Os dois artigos abordam o mesmo período de tempo e seguem uma metodologia semelhante: partem dos dados fiscais e da política fiscal seguida e acompanham a evolução dos escalões de rendimento mais elevados como indicador da desigualdade.
Caso esses escalões abranjam uma parcela maior de rendimento, então verificou-se uma concentração de rendimento. E vice-versa. Mas a metodologia, como um dos autores lembra, pode produzir estranhas conclusões, uma vez que é possível verificar-se uma redução dos índices de concentração nos escalões mais elevados e, ao mesmo tempo, um aumento da desigualdade geral.
Apesar disso, os estudos retiram a mesma conclusão face ao período em análise. Segundo os dois estudos, os primeiros anos do século XX foram duros para quem tivesse baixos rendimentos. Alvaredo afirma mesmo que "a concentração do rendimento era muito mais elevada durante os anos 30 do que é actualmente". "A maior concentração de rendimento verificou-se entre 1930 e os anos 40", escreve Facundo Alvaredo. Os 0,1 por cento dos contribuintes com mais elevado rendimento detinham 4,5 por cento da respectiva riqueza. "Este padrão, também encontrado no caso de Espanha e em muitos outros estudos (...) não deve ser considerado como estranho, uma vez que Portugal possuía uma média muito baixa de rendimento e uma elevada concentração da riqueza". Os seus valores eram similares aos de França e dos Estados Unidos.
O impacto da 2.ª Guerra Mundial no crescimento do produto de Portugal foi "relativamente pequeno". Mesmo assim, a concentração de riqueza atenuou-se.
Segundo Rafecas, verificou-se durante a guerra uma queda de 50 por cento na parcela detida pelos rendimentos mais elevados. Nas contas de Alvaredo, o escalão de 0,1 por cento de rendimento mais elevado passou, na primeira metade da década de 40, de 5,2 para 3,1 por cento da riqueza. Algo que, segundo Alvaredo, teve a ver com a política fiscal. As taxas marginais aplicadas aos rendimentos mais elevados subiram - de 8,5 por cento até 1945 para 30 por cento em 1946.
Após a guerra, o crescimento económico foi "positivo, mas lento". Apesar disso, a separação de Portugal face aos principais países europeus foi se reduzindo, sobretudo devido mais aos efeitos nefastos da guerra do que a melhoramentos introduzidos em Portugal. O país era ainda muito rural. Entre os 0,3 por cento mais ricos, pouco mais de um terço (37 por cento) eram-no por rendimentos da actividade agrícola e só sete por cento vinham de rendimentos financeiros. Em Espanha, segundo Alvaredo, a maioria desses rendimentos eram já sobretudo financeiros.
A década seguinte poucas alterações trouxe. Para Rafecas, verificou-se uma estabilidade nos anos 40. Segundo Alvaredo, os mesmos 0,1 por cento mais ricos detinham 3,5 por cento do rendimento.
Entre 1962 e 1973, a distribuição manteve-se igualmente estável. Rafecas refere-se antes a "um processo de convergência significativa". Mas, para Alvaredo, a chamada "abertura" do Governo de Marcelo Caetano pouco mudou na concentração do rendimento. De referir, como sublinha Alvaredo, que muito desta estabilidade ficou a dever-se à forte emigração verificada desde 1950 até 1974. Estima-se que cerca de 1,8 milhões de portugueses tiveram de abandonar o país. Caso tivessem permanecido, é provável que o nível de concentração tivesse aumentado. Mesmo assim, o nível de concentração da riqueza em Portugal entre 1950 e 1974 "foi mais elevado relativamente aos valores dos outros países".
A evolução das décadas seguintes iria ser marcada pela tentativa de recuperação dessa desigualdade. Mas, a partir dos anos 80, a integração europeia e um maior entrosamento da economia portuguesa na economia internacional provocou o efeito inverso (ver caixa).