Daniela Gouveia, in Jornal Público
Criação de um boletim de saúde do idoso ou aposta num plano geriátrico foram algumas
das ideias que estiveram em cima da mesa no debate realizado em Lisboa
"O Tempo da Vida" foi discutido ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Foram seis horas de palmas e expressões de consternação sobre "Como se envelhece em Portugal". O debate andou entre a dependência na velhice, o isolamento, a reforma, os cuidados de saúde e o vislumbre de um envelhecimento com qualidade.
João Lobo Antunes e António Barreto presidiram à sessão. Médicos, políticos, psicólogos, economistas e um auditório cheio, de várias faixas etárias, estiveram de acordo de que é preciso fomentar medidas para melhorar a qualidade da velhice, num país em que metade da população idosa vive na pobreza.
Muitos temas foram abordados, as respostas nem sempre foram animadoras. Uma das lições: no século XXI é preciso descobrir os direitos dos idosos.
Do Alto-Comissariado da Saúde, Maria do Céu Machado defendeu a criação de um boletim de saúde do idoso (ao modelo do boletim de saúde infantil) com o historial do doente, no sentido de uma humanização de cuidados. E foi mais longe: sugeriu mesmo a existência de uma loja do cidadão para a pessoa idosa, um centro ondem se fizessem representar várias especialidades para responder a todo o tipo de patologias.
A pediatra, que tal como outros conferencistas não resistiu à comparação da importância da geriatria com a da pediatria, defendeu que a aposta num plano nacional gerontológico (que em Espanha já vai na 10ª edição) tem de ser um caminho feito "transversalmente pelos vários ministérios".
Do público, e sobre a importância da geriatria, o cardiologista Joaquim Gorjão Clara lembrou uma tentativa já antiga junto da Ordem dos Médicos. "Nove anos passados, dos 15 países que apresentaram as normas para o reconhecimento da especialidade, só dois ficaram de fora: Portugal e Grécia."
Uma das visões optimistas do debate veio da Fundação Aga Khan, a finalizar um estudo sobre as necessidades dos portugueses com mais de 55 anos.
Uma amostra de 1324 inquiridos e uma pesquisa do que se passa no mercado sénior europeu. "Pretendemos começar a desenvolver as boas práticas que existem no estrangeiro e criar projectos na área da geriatria em Portugal", explicou Rita Barão, da Aga Khan.
"O estudo vai abordar questões como qual é o papel do Estado, da família, do privado e como se pode gerir melhor os recursos numa sociedade envelhecida e para a qual temos de nos preparar", disse Ana Bandeira, da mesma fundação.
No final da conferência, Maria José Nogueira Pinto, ex-provedora da Santa Casa da Misericórdia, entre risos, palmas e provocações, seguiu a ideia da alta-comissária para a Saúde da criação de uma loja do cidadão para a pessoa idosa e disse que "a única coisa que pode constituir uma ajuda é a criação de uma rede de serviço, uma linha de envelhecimento a que o idoso possa recorrer". Uma rede para a qual, disse Maria José Nogueira Pinto, "o Euromilhões já tinha dado dinheiro suficiente, que entretanto foi desviado para outros investimentos".
"Como Se Envelhece em Portugal", é uma de um lote de conferências, workshops e estudos dirigidos pela administradora da Fundação Gulbenkian Isabel Mota, com enfoque no envelhecimento na perspectiva nacional e internacional.
Para Novembro, está anunciado um colóquio sobre a mesma temática em áreas como a arquitectura, a economia, a educação, junto de especialistas mundiais. A questão das acessibilidades e dos obstáculos arquitectónicos do meio urbano foram outros dos temas abordados na conferência de ontem.
Portugal encontra-se em 10º lugar no ranking do envelhecimento mundial. Em primeiro lugar está o Japão. Em Portugal, são as mulheres que mais tempo vivem, mas também as que vivem pior - 26% das mulheres com mais de 65 anos vivem sós. O género masculino domina o índice "Esperança média de vida sem nenhum tipo de incapacidade".
Actualmente, 26% dos idosos portugueses são dependentes de terceiros. Estima-se que em 2050 um em cada 3 portugueses tenha mais de 65 anos. A convicção, referida de Ana Bandeira, é que os idosos do futuro serão "mais instruídos e mais informados", o que poderá significar "uma maior exigência em serviços cada vez mais alargados".