19.6.08

Um “New Deal” para os agricultores pobres

Jeffrey D. Sachs, in Jornal de Negócios Online

Muitos países pobres de todo o mundo, importadores de comida, ficaram em desespero nos últimos meses, à medida que os preços globais do arroz, trigo e milho foram subindo, até duplicarem. Centenas de milhões de pessoas pobres, que já gastam grande parte do seu orçamento diário em comida, estão a atingir o limite. Resultado: os motins da fome estão a intensificar-se.

Mas muitos países pobres poderiam cultivar mais alimentos, porque os seus agricultores estão a produzir bastante menos do que aquilo que é tecnologicamente possível. Em alguns casos, com medidas governamentais apropriadas, poderiam duplicar ou mesmo triplicar a produção de alimentos em poucos anos.

A ideia é simples e bem conhecida. A agricultura tradicional usa poucos ‘inputs’ e obtém fracos rendimentos. Os camponeses pobres usam as suas próprias sementes, obtidas na campanha agrícola precedente, não dispõem de fertilizantes suficientes, dependem da chuva em vez de terem sistemas de irrigação e pouco mais utilizam além da tradicional enxada – o recurso à mecanização é escasso ou inexistente. As suas explorações agrícolas são de pequena dimensão, atingindo talvez um hectare ou menos.

Na agricultura tradicional, os rendimentos dos cereais – arroz, trigo, milho, sorgo ou painço – rondam, geralmente, cerca de uma tonelada por hectare por cada colheita anual. Para uma família rural composta por cinco ou seis pessoas que vivem num hectare, isto significa pobreza extrema e, para o país onde vivem, significa depender da importação de alimentos dispendiosos, incluindo ajuda alimentar.

A solução consiste em aumentar o rendimento dos cereais para, pelo menos, duas toneladas – e, nalgumas regiões, para três ou mais toneladas – por hectare. Se a água puder ser gerida através da irrigação, isso poderá ser associado a várias colheitas por ano, de forma a produzir uma colheita durante a estação seca. Rendimentos mais elevados e mais frequentes significam menos pobreza em famílias rurais e facturas alimentares mais baixas para as cidades.

A chave para aumentar os rendimentos reside em assegurar que mesmo os agricultores mais pobres têm acesso a variedades de sementes melhoradas (geralmente sementes “híbridas”, criadas através da selecção científica de variedades de sementes), a adubos químicos, a matéria orgânica de reabastecimento dos nutrientes do solo e a métodos de irrigação em pequena escala, tais como uma bomba para retirar água de um poço próximo. Esta combinação de sementes de elevado rendimento, adubos e irrigação em pequena escala nada tem de mágico. Desde a década de 60 que é a chave para o aumento, a nível mundial, da produção de alimentos.

O problema é que estes ‘inputs’ melhorados passaram ao lado dos agricultores mais pobres e dos países mais pobres. Quando os camponeses não dispõem de contas-poupança pessoais nem de outro tipo de garantia extra, não conseguem obter empréstimos bancários para comprarem sementes, fertilizantes e sistemas de irrigação. Consequentemente, cultivam os alimentos da forma tradicional, muitas vezes pouco ou nada obtendo com as suas colheitas, dado que nem sequer são suficientes para garantir a subsistência das suas famílias.

A História tem mostrado que é necessária uma acção governamental para ajudar os agricultores mais pobres a escaparem à armadilha da pobreza derivada dos fracos rendimentos. Se os agricultores tiverem ajuda para adquirirem tecnologias simples, os seus rendimentos poderão aumentar, o que lhes permitirá aumentar também o saldo bancário e dispôr de garantias extra. Com alguma ajuda temporária, que dure – digamos – cerca de cinco anos, os agricultores serão capazes de criar riqueza suficiente para obterem ‘inputs’ de mercado, tanto através de compras directas com recurso às suas poupanças como através de empréstimos bancários.

Antigamente, em todo o mundo, os bancos agrícolas públicos dos países pobres não só financiavam os ‘inputs’ como também prestavam aconselhamento em matéria agrícola e difundiam as novas tecnologias em termos de sementes. Naturalmente, existiam casos de abusos, tais como a atribuição de créditos públicos a agricultores ricos em vez de a agricultores mais necessitados, ou a subsidiação prolongada de ‘inputs’, mesmo quando os agricultores passavam a ter capacidade creditícia. E, em muitos casos, os bancos agrícolas governamentais iam à falência. Ainda assim, o financiamento de ‘inputs’ desempenhava um papel imensamente positivo em termos de ajuda aos agricultores mais pobres, que podiam assim escapar à pobreza e à dependência da ajuda alimentar.

Durante a crise da dívida, nas décadas de 80 e 90, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial obrigaram dezenas de países pobres importadores de alimentos a desmantelar estes sistemas estatais. Foi dito aos agricultores que deveriam desenvencilhar-se sozinhos, deixando que as “forças de mercado” fornecessem os ‘inputs’. Foi um grande erro: essas forças de mercado não existiam.

Os agricultores pobres perderam o acesso aos adubos e a variedades de sementes melhoradas. Deixaram de conseguir financiamento bancário. A seu favor, o Banco Mundial tem o facto de ter admitido o erro no ano passado, numa pungente avaliação interna às políticas agrícolas que aplica há muito tempo.

É hora de reestabelecer os sistemas de financiamento público que permitem aos pequenos agricultores dos países mais pobres, nomeadamente os que dispõem de terrenos com dois ou menos hectares, aceder aos necessários ‘inputs’ de sementes de alto rendimento, adubos e sistemas de irrigação em pequena escala. O Malawi fê-lo nas últimas três campanhas agrícolas e duplicou a sua produção de alimentos. É chegado o momento de outros países com baixos rendimentos fazerem o mesmo.

Importa salientar que o Banco Mundial, sob a liderança do seu novo presidente, Robert Zoellick, já se mostrou disponível para ajudar a financiar esta nova abordagem. Se o Banco Mundial fornecer meios para os países pobres poderem ajudar os pequenos agricultores a terem acesso a ‘inputs’ melhorados, então esses países conseguirão aumentar a sua produção alimentar num curto período de tempo.

Os governos doadores, incluindo os países ricos em petróleo do Médio Oriente, deveriam ajudar a financiar estes novos esforços do Banco Mundial. O mundo deveria estabelecer como objectivo prático a duplicação dos rendimentos cerealíferos nos países africanos com baixos rendimentos e em regiões nas mesmas condições (como o Haiti) nos próximos cinco anos. É um objectivo concretizável se o Banco Mundial, os governos doadores e os países pobres direccionarem a sua atenção para as necessidades urgentes dos agricultores mais pobres do mundo.