22.6.08

Educadoras itinerantes levam o pré-escolar a locais isolados

Isabel Leiria, in Jornal Público

Todos os dias, por todo o país, deslocam-se a montes, aldeias e localidades com poucas crianças para garantir que elas têm acesso à mesma educação que as outras


A rotina repete-se há anos, mas por vezes Célia Brito ainda tem de parar para pensar qual é o dia de semana e para que aldeia se deve dirigir. É que, ao contrário da maioria dos colegas, a educadora não acompanha os meninos de um único jardim-de-infância, mas desloca-se em dias alternados para aldeias diferentes, onde as crianças são tão poucas - e cada vez são menos - que não se justifica abrir um estabelecimento de ensino fixo.

Podia estar num jardim-de- infância perto de casa, em Faro, com salas repletas de crianças e outro colegas com quem partilhar o dia-a-dia, mas foi esta a vida que escolheu logo que o projecto da educação pré-escolar itinerante se disseminou no Algarve, no final dos anos 90. "Quanto mais trabalho na serra, mais quero continuar por lá. Gosto de trabalhar com as comunidades. As pessoas são muito acolhedoras", explica ao volante do seu Peugeot comercial, no início de mais um dia e mais uma viagem.

Da sua casa em Faro ao Ameixial, em plena serra do Caldeirão, onde acompanha cinco meninos às terças e quintas, são 50 quilómetros. Praticamente todos de curvas e contra-curvas, num percurso que, ao longo de 45 minutos, põe à prova a resistência de qualquer passageiro. "Quando chove e está vento, parece que as árvores vão cair em cima de mim. Nessas alturas penso se vale a pena fazer estes quilómetros todos para depois chegar lá e não haver crianças. Mas, a não ser que estejam doentes, nunca faltam", garante Célia Brito, 52 anos, educadora itinerante há seis e actualmente responsável por dois pólos. Às segundas, quartas e sextas desloca-se a Querença, também no concelho de Loulé, onde está com mais três meninos.

A serra entregue aos idosos

Em todo o distrito de Faro, Célia e mais 11 educadoras asseguram que uma centena de crianças de localidades mais ou menos isoladas tenham o mesmo direito que as outras e acedam a programas de educação pré-escolar. Para algumas, estes são mesmo os únicos momentos em que conseguem brincar com miúdos da mesma idade. Há quem fale como os avós, por serem as únicas pessoas com que estão habituadas a conversar.
Com a deslocação das famílias para o litoral são, no entanto, cada vez menos as crianças a precisar deste apoio. Em todo o país, o número de educadores itinerantes ascende às seis dezenas, que acompanham meio milhar de meninos. Mas só no Algarve já foram o triplo do que são actualmente. "Por mim, enquanto houver crianças no Ameixial, é na itinerância que quero continuar."

O futuro é incerto, numa freguesia com pouco mais de 600 habitantes e onde 90 por cento da população tem acima de 65 anos, admite Abílio Sousa, presidente da junta. "Acima dos factores económicos, devem estar os factores humanos e da educação", argumenta. "Se não fosse esta solução, estas crianças tinham menos possibilidades. E, se acabar, os pais que querem dar este tipo de estímulos aos seus filhos vão mesmo ter de ir para outros sítios. A serra fica entregue aos idosos."
Os argumentos parecem ter colhido até agora junto do Ministério da Educação, mas nada está garantido, antecipando-se já o encerramento da escola do 1.º ciclo, este ano frequentada por cinco meninos e, no próximo, provavelmente por apenas três. A ordem é para, até 2010, fechar todas as escolas com menos de 10 alunos ou de 20 e taxas de insucesso elevadas. "Este ano já foi resvés", diz Célia.

"São tão poucos..."

Poucos metros ao lado da escola do 1.º ciclo, numa sala cedida pelo Grupo Desportivo Ameixialense, Alexandra, André e Derrie, um inglês chegado há dois anos, brincam, desenham, conversam e ouvem histórias. "Uma das coisas de que tenho mais saudades é dos grandes momentos de histórias. Com grupos grandes, eles vão atrás uns dos outros, há muito mais feedback", explica Célia, tentando cativar a atenção dos três para a história do elefante Elmer.

Do lado das vantagens, a educadora destaca a relação "muito mais estreita e rica que se estabelece com cada uma das crianças". E com as famílias, para quem Célia se torna bastante mais do que a educadora de infância que vai duas vezes por semana ao Ameixial. "Todas as crianças do 1.º ciclo e algumas que já estão no 2.º ciclo, na escola de Salir, passaram por mim", diz orgulhosa. Às mães dá conselhos e traz o que for preciso de Faro.

À hora do almoço, Odete, tia de um dos alunos do 1.º ciclo, passa à porta da escola para "ver os meninos". Mal se cruza com a educadora e com a professora, o lamento sai-lhe pronto: "Ai são tão poucos! Fico tão triste..."

Mas, nesse dia, Célia ainda ia receber uma boa notícia e mais um argumento a favor da sua causa. Um casal de um monte próximo apareceu na escola interessado em inscrever a sua filha no pré-escolar no próximo ano. Com a frequência dos gémeos Rafael e Rodrigo também assegurada, a educadora poderá vir a ter um recorde máximo de seis crianças, se o pólo do Ameixial continuar a funcionar. Em Querença, apenas restará uma.

"Este apoio é fundamental. Para ajudar na transição para o 1.º ciclo e para a socialização e interacção com outras crianças e adultos", reforça. E é por isso que os projectos de educação pré-escolar implicam o contacto com os alunos mais velhos e visitas às escolas.

No Ameixial, juntam-se todos nos intervalos e à tarde para fazer actividades em conjunto. Quando é possível, organizam-se visitas fora do concelho. Nem que seja ao Fórum Algarve, em Faro, para uma ida ao cinema.