11.6.08

Europa debate tratado sobre violência contra as mulheres

Andreia Sanches, in Jornal Público

Campanha lançada em 2006 chega ao fim e defende melhores leis nacionais para proteger as vítimas e condenar os agressores


As medidas de combate à violência de género têm tido efeitos limitados. O diagnóstico é de uma task force do Conselho da Europa (CE) que ontem propôs, em Estrasburgo, um tratado para proteger as mulheres vítimas de violência, entre várias recomendações para lidar com o problema. Tal como já existe uma Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o CE deve desencadear um processo visando uma convenção europeia destinada a prevenir e combater a violência contra as mulheres.

Uma convenção destas é um instrumento internacional fundamental para dar uma dimensão de continuidade à luta contra o fenómeno, diz Manuel Lisboa, investigador português que integra o grupo de trabalho do CE. Se conseguirmos pôr isto em marcha será um avanço espantoso.

Segundo o documento que sintetiza as propostas, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos não fornece uma protecção específica às mulheres vítimas de violência de género, afirma o investigador.

As recomendações da task force foram ontem debatidas no primeiro dia da conferência de encerramento da campanha de combate à violência contra as mulheres (no seio da família, mas também na comunidade, incluindo a violação e o abuso sexual) lançada em 2006 pelo CE. O encontro, que termina hoje, reúne representantes de 47 estados-membros entre os quais o ministro português da Presidência, Pedro Silva Pereira.
Um dos objectivos da campanha era denunciar a violência contra as mulheres como uma violação inaceitável dos direitos humanos nas democracias. O CE comprometeu-se a tomar medidas e constituiu um grupo de trabalho para avaliar o que têm feito os países e apresentar novas estratégias. Para o presidir, a Assembleia Parlamentar escolheu Hilary Fisher.

Em Setembro, será apresentado um relatório com o diagnóstico da situação. Para já, o grupo de trabalho constata que, Capesar dos desenvolvimentos positivos ao nível legal, político e das práticas, os estados-membros têm que fazer mais para proteger as mulheres e punir os agressores. Faltam serviços de apoio às vítimas e as baixas taxas de condenação dos agressores de mulheres atingem níveis Calarmantes, sobretudo quando comparadas com outros crimes.

Os estados têm que melhorar o dispositivo legal nesta área. Várias propostas são avançadas: qualquer agressor que viole uma ordem de protecção (como uma obrigação de se manter longe da vítima, por exemplo) deve ser punido com prisão, e não apenas multado; mediação e acordos extrajudiciais não devem ser utilizados em casos de violência contra as mulheres; há que garantir protecção legal efectiva a todas as vítimas.

A questão dos homicídios

Os estados-membros devem ainda, sem demora, levar a cabo medidas efectivas para prevenir a mais frequente e notória violação dos direitos humanos das mulheres
o homicídio por maridos, ex-maridos, companheiros e familiares. Para isso, são aconselhados a recolher dados sobre os homicídios desagregados por idade e relação entre o homicida e a vítima e informação sobre os processos judiciais e as condenações.

Cada caso de homicídio deve ser analisado cuidadosamente de forma a identificar qualquer falha na protecção das vítimas e desenvolver medidas para prevenir crimes futuros. A ideia de criar um observatório europeu de mulheres assassinadas também está em cima da mesa.

Em Portugal, os números sobre homicídios no seio da família não abundam. Sabe-se que em 2006 havia nas cadeias portuguesas 212 detidos por homicídio conjugal (16,4 por cento dos homicidas presos). Mas, com a excepção de casos pontuais, as estatísticas do Ministério da Justiça não discriminam qual a relação entre as vítimas de homicídio e os homicidas.

O grupo de trabalho defende que cada país deve desenvolver o seu próprio observatório, gerido por uma entidade independente, que recolha periodicamente toda a informação sobre violência contra as mulheres.

Apoio às vítimas domina recomendações

Tem que haver empenho político ao mais alto nível. E recursos financeiros a sustentar os planos nacionais de acção. Os especialistas do grupo de trabalho do Conselho da Europa (CE) avisam: os custos sociais, mas também económicos, da violência contra as mulheres são enormes.

Os dados não são novos, mas vale a pena lembrá-los: entre um quinto e um quarto das mulheres já foi vítima de violência física, pelo menos uma vez na vida; mais de uma em cada dez mulheres foi alvo de violência sexual; entre 12 e 15 por cento viveram uma relação marcada pela violência. As mulheres abusadas (física, psicológica ou sexualmente) precisam de ir ao psiquiatra quatro a cinco vez mais do que as restantes, lembra outro estudo. E os resultados de um inquérito a 1500 mulheres feito em Portugal, divulgados em 2005, revelava que entre as vítimas a probabilidade de perder o emprego é sete pontos percentuais mais alta.

Por isso, as recomendações do grupo de trabalho apresentadas ontem em Estrasburgo centram-se em grande medida nas vítimas. O estados-membros devem garantir-lhes assistência financeira, casa e apoio no emprego e formação, para que esteja assegurada a sua reintegração. Cada país deve possuir casas de abrigo em número suficiente (pelo menos uma para cada dez mil habitantes) para dar resposta aos casos urgentes em que as mulheres têm que sair de casa para se protegerem dos agressores e um centro de crise para vítimas de violação por cada 200 mil mulheres. E às imigrantes deve ser garantido que mesmo que se encontrem em situação ilegal, serão alvo de apoio e protecção se denunciarem que são vítimas de abuso. E que não serão deportadas.

A educação não é esquecida: os currículos escolares, mesmo os destinados aos alunos mais novos, devem incluir o ensino dos direitos das mulheres e desafiar os estereótipos de género e as atitudes que acabam por conduzir à violência contra as mulheres. A.S.