10.6.08

Pobreza e exclusão

Luís Filipe Malheiro, in Jornal da Madeira

Não vou perder tempo a discutir se existem 10, 100, 1000 ou 1 milhão de pobres, porque acho isso pateticamente absurdo. Basta um simples cidadão para que nenhuma sociedade se sinta realizada. O que importa, neste caso, para a Região, para o País, a Europa e o Mundo, é que sejamos capazes de controlar uma realidade que cresce e que ameaça atingir proporções dramáticas.


Hoje é Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Mas em vez de banalidades, vou falar de 2010, "Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social", esperando-se que, mais que a demagogia, as promessas ou as palavras atiradas ao vento, enfim, o espalhafato habitual nestas efemérides que deveriam constituir um grito de alerta e uma oportunidade de mobilização dos cidadãos, e nunca uma oportunidade para o desencadear de diversas formas de aproveitamento político ou de oportunismo partidário, como aliás é habitual, como se o drama da pobreza e da exclusão fossem um património exclusivo de instituições e/ou de partidos. A verdade, e temos que reconhecer, é que existe nos últimos anos uma enorme incapacidade, sobretudo na Europa, e não apenas em Portugal, de contrariar a tendência de crescimento do fenómeno da pobreza e da exclusão, associados sobretudo ao egoísmo que caracteriza a sociedade dos nossos tempos, mas essencialmente ao desemprego, a uma crise económica associada a patifarias de alguns empresários sem escrúpulos, realidade social que acaba por “decepar” os mais fracos, mas também os mais carenciados, subitamente atirados para um mundo que deixou de ser virtual — o desemprego — para passar a real e que quase sempre comporta dramas familiares inimagináveis.

Mais do que palavras, promessas, ou festanças, o que se exige de uma sociedade que se considera solidária e preocupada, são acções, actos, medidas concretas, visando impedir que tenhamos cada vez mais na nossa sociedade, cidadãos pobres, ou porque não tiveram a sorte da vida que aos outros sorriu, ou porque nunca tiveram oportunidade de mostrarem o que valem e de serem aproveitados, ou pura e simplesmente porque ignoramos um conjunto de sinais consistentes que, se tivessem sido levados a sério e atacados em devido tempo, provavelmente teriam evitado situações dramáticas e extremas que hoje em dia proliferam.

Não vou perder tempo a discutir se existem 10, 100, 1000 ou 1 milhão de pobres, porque acho isso pateticamente absurdo. Basta um simples cidadão para que nenhuma sociedade se sinta realizada. O que importa, neste caso, para a Região, para o País, a Europa e o Mundo, é que sejamos capazes de controlar uma realidade que cresce e que ameaça atingir proporções dramáticas.

Em Dezembro de 2007, a Comissão Europeia publicou uma proposta de acção visando a preparação de 2010 que estabelecia um vasto quadro de trabalho para este Ano, documento que agora será objecto de apreciação e discussão no Conselho de Ministros e no Parlamento Europeu, esperando-se que seja até ao Verão deste ano venha a ser adoptada uma orientação. Segundo a proposta da Comissão, Ano Europeu deve concentrar-se em quatro objectivos:

• Reconhecimento do direito das pessoas em situação de pobreza e exclusão social a viver com dignidade e a participar plenamente na sociedade;

• Um aumento do sentimento de pertença colectiva relativamente às políticas de inclusão social, salientando a responsabilidade de todos na resolução da pobreza e da marginalização;

• A existência de uma sociedade mais coesa onde não haja dúvidas de que a sociedade, no seu todo, beneficia com a erradicação da pobreza;

• Um compromisso de todos os actores, porque um progresso real requer um esforço a longo prazo que envolva todos os níveis de governação.

Recomenda a Comissão Europeia — num evidente sinal de que perdeu a vergonha e/ou o receio de assumir uma realidade social que inclusivamente ameaça a afirmação da Europa no seio de muitas sociedades, exactamente devido a esta noção de incompetência de Bruxelas na resolução dos principais problemas que mais preocupam, de facto, os europeus, que o enfoque seja dado a temas como “a pobreza infantil, o mercado de trabalho inclusivo, a educação e formação, a dimensão de género, o acesso aos serviços básicos, a superação da discriminação e promoção da integração dos imigrantes e das minorias étnicas, a abordagem das necessidades das pessoas com deficiência e de outros grupos vulneráveis”. Por outro lado, defende a Comissão, alguns dos temas a debater devem ser transversais, nomeadamente “a participação, o género e as desigualdades territoriais”, mas ficou já estabelecido que as actividades nacionais serão posteriormente definidas por cada Estado-membro em 2008/2009 podendo “incluir reuniões e eventos, seminários de aprendizagem mútua, eventos relacionados com as iniciativas da UE (tais como a Mesa Redonda Europeia sobre a Pobreza e a Exclusão Social, os Encontros Europeus das Pessoas em Situação de Pobreza), campanhas de informação e de sensibilização, inquéritos e estudos, formação para funcionários públicos, parceiros sociais e ONG, cooperação com os media, planos piloto regionais e locais para a inclusão social, etc”.

E quando se fala em pobreza na Europa basta recordar que “um quinto das crianças europeias estão ameaçadas de pobreza, segundo um relatório divulgado este ano Comissão Europeia em Bruxelas”. O pior é que os especialistas não estão a contar com uma melhoria da situação a curto prazo, sobretudo porque existem dificuldades (!) em que os ministros que tutelam os sectores sociais dos 27 países-membros acertarem metas conjuntas de combate à pobreza. O referido relatório da EU garante que já em 2006, cerca de 20% das crianças europeias até aos 17 anos viviam em agregados familiares com um rendimento 60% inferior ao rendimento médio em respectivos países. Abaixo desse patamar começa, para a União Europeia, o que se pode designar de “risco de pobreza”. Curiosamente, até final da década de 1990, eram sobretudo os idosos que estavam mais ameaçados pela pobreza, mas o dramático de tudo isto é que, desde então para cá, é a infância a mais afectada.

Na Alemanha, supostamente o país europeu mais rico, a taxa de pobreza infantil está de facto abaixo da média, situando-se nos 12%. Mas existe uma outra realidade: “Mais de 2,5 milhões de crianças dependem hoje de ajuda social na Alemanha, o dobro do valor registado em 2005, quando o governo do social-democrata Schröder efectuou cortes no sistema de bem-estar social. Diz um politólogo da Universidade de Colónia, Christoph Butterwegge, que o aumento da pobreza infantil na Alemanha é consequência directa desses cortes, recordando que “instituições humanitárias e investigadores advertiram que a reforma do mercado de trabalho significaria o aumento da pobreza e que as crianças seriam as principais afectadas". Uma instituição de caridade alemã, a “Die Tafel”, propicia refeições e distribui alimentos para a população mais necessitada em toda a Alemanha. Garante o seu presidente, Gerd Häuser, que das 800 mil pessoas apoiadas em 2007 cerca de 200 mil eram crianças, reconhecendo também que o número de pessoas apoiadas pela sua instituição está a aumentar significativamente (em 2005 não ultrapassava os 600 mil cidadãos). A Comissão Europeia garante que Dinamarca, Finlândia, Áustria, Holanda, Chipre e Eslovénia, são os países que mais esforços têm realizado no combate à pobreza infantil. Dois temas — pobreza e exclusão social — que certamente voltaremos a abordar e dos quais muito ouviremos falar até 2010. Associada, inevitável e lamentavelmente, de novo, a uma forte carga demagógica e a novas tentativas de aproveitamento político-partidário à custa do drama e da desgraça alheia. Não duvidemos disso.