Agostinho Santos, in Jornal de Notícias
Maior fluxo de novos pobres concentra-se nas grandes cidades. O JN percorreu durantevários dias o mundo dramático de homens e mulheres que já conheceram melhor
A crise que tem originado a deterioração das vidas dos cidadãos constitui uma realidade crescente. Tem colocado milhares de pessoas de diversas origens sociais e económicas numa luta diária pela sobrevivência.
Homens e mulheres, novos e velhos que, num passado não muito distante, exerciam ou exercem profissões como, por exemplo, a de professor, economista, hoteleiro, agricultor e motorista, que dispunham de rendimentos equilibrados, de casa e de família, viram o mundo desabar e, de repente, ficaram sem quase nada. É uma situação dramática, nova, que os obriga a mudar radicalmente de vida e, hoje, muitos dependem totalmente da caridade de terceiros e para outros a rua transforma-se no seu único espaço de vida.
Partilhei, por várias dias, a vida destes novos pobres , infiltrei-me, deambulei pelas ruas e, com, eles fui, por exemplo, à sopa dos pobres da Trindade, ao Coração da Cidade, no Porto; ao refeitório dos Anjos, na Almirante Reis, aguardei a chegada das carrinhas da Legião da Boa Vontade e da Comunidade Vida e Paz, na Praça da Alegria e na Estação de Santa Apolónia, acompanhei-os na mendicidade no Chiado e a arrumar carros no Largo de Camões, em Lisboa.
Com uma vergonha velada, alguns dos novos pobres não cedem, mantendo algum brio na forma como se apresentam, persistindo em hábitos que guardam da sua anterior vida, equilibrada e respeitável. Sente-se que são diferentes dos outros, na maneira de vestir, no trato, na higiene e tentam equilibrar as formas de subsistência com os momentos de descanso. Vão sobrevivendo a inventar novas formas de rendimento, como arrumar carros, distribuir publicidade, vender pensos, fazer recados ou, até, a mendigar ou, simplesmente, caindo no entorpecimento do álcool ou da droga.
Os números apontam para a existência de cerca de dois milhões de pobres, actualmente em Portugal, mas o padre Agostinho Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN) garante que desses, 17% têm emprego, mas o salário não chega para suportar as necessidades diárias, por isso insiste na ideia que "há muita gente que trabalha, é pobre e está a passar fome".
É, nas grandes cidades que se verifica o maior fluxo de novos pobres e o Porto encabeça, de acordo com o mesmo responsável, a "lista" de pessoas com maiores carências económicas e algumas delas passam fome. O drama tem originado, nos últimos tempos, várias tentativas de suicídio, pois, diz Jardim Moreira, "o choque, a diferença de vida é às vezes abrupta e as pessoas não aguentam e tentam acabar com a vida. Infelizmente, já temos sido confrontados com casos desses e não são tão pouco como isso."
As mulheres são, segundo a mesma opinião, as que mais dão a cara, assumindo frontalmente o estado de pobreza e são elas, as primeiras pessoas da família a recorrer à ajuda de terceiros.
Os homens, por outro lado, acomodam-se e não pedem e há mesmo situações que "conheço bem, onde os homens preferem passar fome do que pedir. É o machismo, mas depois a fome aperta e mandam as mulheres bater à porta das instituições", acrescenta o presidente da REAPN que garante que os casos de pobreza "têm - a continuar nestes moldes - tendência a aumentar e não atinge só a classe baixa, agora também atinge a classe média que aliás, está claramente a desaparecer".
As pessoas que integram a chamada classe média e que se vêem envolvidas em situações de aperto económico, endividadas , obrigadas a entregar a casa e carro, têm a priori tendência para a rejeição da pobreza. "Conheço muita gente, sobretudo os homens, que não aceitam ser pobres. Reconhecem que não têm dinheiro, mas a ideia do "rótulo" de pobre mata-os psicologicamente", diz Jardim Moreira, para quem estas pessoas vivem obssecadas com a fórmula que ser pobre é perder o estatuto dos direitos sociais do cidadão, portanto preferem manter o estatuto das aparências.
Depois de serem obrigados a prescindir dos apartamentos e das casas - o primeiro passo é instalarem-se na casa dos pais ou dos sogros, tentando viver com o ordenado. Mas, regra geral, o salário não chega para pagar as dívidas e quando a família não pode ou se satura, o recurso é a ajuda das instituições. E aí, o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza entende que a grande maioria das instituições de solidariedade limitam-se "a oferecer um trabalho assistencialista, ou seja, de dar a sande, a sopa ou a peça de roupa, mas não dá a cana para pescar e muito menos ensina a pescar".
Neste caso particular, a REAPN, de acordo com o seu responsável, não poderá resolver a questão, mas além de estudar e investigar o problema, propõe soluções. E Jardim Moreira avança e diz que a primeira das primeiras é que os Governos, de uma vez por todas, "acabem com as políticas assistencialistas e entrem num processo que proporcione a capacitação das pessoas, de modo a poderem de novo envolverem-se e a participar na vida activa da sociedade".