Manuela Arcanjo, in Jornal de Nogócios Online
A divulgação, nas últimas semanas, de diversos indicadores estatísticos relativos a Portugal por parte de organismos internacionais teve diversos efeitos sobre os portugueses e o ambiente social e político do País.
A divulgação, nas últimas semanas, de diversos indicadores estatísticos relativos a Portugal por parte de organismos internacionais teve diversos efeitos sobre os portugueses e o ambiente social e político do País.
Comecemos pela divulgação do Europe in Figures - Eurostat Yearbook 2008. Parte do país político descobriu que apresentávamos, em 2005, o segundo maior grau de desigualdade na repartição do rendimento (apenas com a Turquia à frente) e ainda que as nossas taxas de população em risco de pobreza (em especial, para a população empregada e pensionistas) eram muito superiores aos valores médios para a Zona Euro.
As reacções não se fizeram esperar: partidos da oposição a aproveitarem uma situação que deveria ser bem conhecida para atacar o Governo e este a devolver a acusação para a governação à época! Mas estes indicadores justificaram ainda um encontro de "gente de esquerda" e um aviso por parte de Mário Soares sobre a perda de votos nas próximas eleições.
Se os indicadores nos exigem uma atenção séria, o que pode espantar é a surpresa que tal gerou, excepto para os portugueses que em número crescente o têm vindo a sentir. Com efeito, existe desde 2004 livre acesso às bases de dados e publicações do Eurostat pelo que quer os governos, quer os partidos da oposição deveriam acompanhar com cuidado a evolução dos indicadores para já não evocar a importância de se realizarem estudos nacionais.
Voltando à referida publicação, Portugal apresenta posições muito negativas em muitos indicadores. No que respeita ao PIB "per capita" (em paridade de poder de compra), a situação portuguesa era má em 1997 (76% do valor de referência, EU-27) mas piorou em 2006 (apenas 74%) passando a ocupar o 19.º lugar. Entre 2001 e 2006, observou-se uma redução da produtividade do factor trabalho atingindo 67,9% do valor de referência. Na vertente do mercado de trabalho, o nosso país apresentava em 2006 a 3.ª pior posição em termos de dois indicadores: a proporção (na população empregada) dos contratados a prazo e do emprego precário.
A evolução da despesa social em percentagem do PIB observada entre 1994-2004 poderia ser um indicador positivo e diferenciador, dado o seu crescimento regular em oposição à contenção na Zona Euro. Porém, importa comparar este esforço financeiro com a respectiva eficácia em termos, por exemplo, da redução da taxa de pobreza antes e após transferências sociais. Os resultados apresentados para 2005 confirmam a reduzida capacidade distributiva do sistema de Segurança Social. No domínio da Educação, os indicadores relativos à frequência dos diversos graus de ensino e ao insucesso escolar justificariam uma atenção especial face à posição relativa de Portugal e ao esforço financeiro desenvolvido.
Na semana passada foi a vez da informação divulgada pela OCDE. A instituição procedeu à revisão do crescimento da economia portuguesa para 2007, alinhando o seu valor pela previsão do Governo. Para os que apenas se preocupam com o curto prazo, a notícia é neutra. Porém, muito mais importante é saber quando é que Portugal quebra, de forma sustentada, a trajectória de divergência real com os seus parceiros europeus que se mantém há sete anos.
O nosso país está a viver um período difícil pelo efeito conjunto de factores externos e internos. Os sucessivos aumentos dos preços dos combustíveis, de alimentos e transportes têm a sua origem no exterior. Porém, muitos dos indicadores divulgados pelo Eurostat não são explicados pela dependência do País face ao exterior, nem ao processo da globalização.
São, sim, explicados por partidos políticos, no governo e na oposição, excessivamente preocupados com o ciclo eleitoral e que olham para os portugueses apenas como eleitores. Claro, é mais difícil ver a pobreza e o fosso da repartição do rendimento quando se está ofuscado com as acessibilidades, as lojas de marca internacional, a venda de automóveis de alta cilindrada e das viagens a destinos exóticos. O problema é que tudo isto é apenas para alguns.