Natália Faria, in Jornal Público
Disponível para ouvir "todas as posições, principalmente aquelas que se traduzem em propostas", Vieira da Silva reafirmou que a manifestação da CGTP não o fará alterar uma vírgula à proposta de revisão do Código de Trabalho. Até porque a reforma, que deverá vigorar a partir de 2009, visa a nova realidade laboral: "Temos hoje uma arquitectura de relações laborais pouco adequada às exigências da globalização."
a A frase saiu em jeito de desabafo a Vieira da Silva, que estava há largos minutos a defender-se de uma plateia pouco rendida aos seus argumentos: "Os empregos não se defendem por decreto!", atirou o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, anteontem à noite, num debate sobre o novo Código do Trabalho, na Associação Católica do Porto. "Não podemos ter essa ilusão", continuou, para reforçar logo de seguida: "Não é com mecanismos artificiais que defendemos a nossa capacidade de ter mais emprego."
"O que precisamos é de atacar o nosso défice mais profundo, que é o défice do conhecimento, da educação e da formação."
Este raciocínio extravasou toda a intervenção do ministro do Trabalho, ao longo do debate que o pôs frente a frente com o bispo do Porto, D. Manuel Clemente. "Um trabalhador em média na Europa tem 12 anos e meio de escolarização. Em Portugal, não ultrapassa os oito anos", lembrou, para considerar que, enquanto esse défice não for ultrapassado, "será muito difícil fazer as transições necessárias no mundo do trabalho sem custos sociais".
Houve outros momentos em que Vieira da Silva voltou a colocar-se na defensiva. Como quando alguém da plateia o questionou acerca das diferentes posições que o PS assumiu face ao Código do Trabalho enquanto era oposição e agora que está no Governo. "Há quem pense que o Estado se basta a si próprio na produção legislativa. Que um partido, porque tem maioria absoluta, o que deve fazer é exactamente aquilo está no seu programa eleitoral e que não tem nenhuma obrigação de procurar o consenso social junto dos parceiros. Eu não penso assim", reagiu Vieira da Silva.
Mais adiante, e no mesmo tom algo irritado face às intervenções de quem vê no novo Código de Trabalho um instrumento facilitador dos despedimentos, sublinhou: "Sabe quantas vezes surge a palavra inaptidão na proposta que foi apresentada? Zero", respondeu, sustentando que o que o novo código admite como motivo de despedimento é a inadaptação ao cargo e que, mesmo aí, "é muito exigente na prova".
O primeiro a falar foi o bispo do Porto, para, numa intervenção convergente com a doutrina social da Igreja, defender o direito dos trabalhadores à justa remuneração e o papel dos sindicatos: "As organizações sindicais, perseguindo o seu fim específico ao serviço do bem comum, são um factor construtivo de ordem social e solidariedade, portanto um elemento indispensável da vida social."
"Sem pressão sindical poderia acontecer que a administração pública se esquecesse do seu papel", insistiu ainda D. Manuel Clemente, poucas horas depois da manifestação que juntou, em Lisboa, cerca de 200 mil trabalhadores em protesto contra a revisão da legislação laboral.