7.6.08

Ajuda humanitária vive tempos difíceis e de contenção, alertou António Guterres

Sofia Branco, in Jornal Público

Alto Comissário da ONU para os Refugiados participou ontem nos Dias do desenvolvimento, iniciativa do IPAD que hoje termina


A ajuda humanitária vive tempos de "maior restrição" por parte dos Estados, "maior exigência" dada a "complexidade" dos problemas actuais e de "mais difícil sustentabilidade". Assim resumiu ontem o estado das coisas António Guterres, representante máximo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e orador convidado da primeira edição dos Dias do Desenvolvimento.
No Centro de Congressos de Lisboa, António Guterres falou da "tendência para reduzir o espaço humanitário" após os atentados terroristas e as subsequentes reacções bélicas. Regressou a soberania nacional e com ela os receios dos Estados face a "agendas escondidas" e "objectivos de dominação", explicou. "É uma tendência infeliz, um retrocesso", classificou. À qual se junta a "tendência perigosa" para juntar no saco da ajuda humanitária aspectos políticos e de segurança. É preciso "preservar a todo o custo a autonomia e imparcialidade do espaço da acção humanitária", defendeu.

Pobreza extrema, acentuar das diferenças entre ricos e pobres, efeitos das alterações climáticas e multiplicação dos conflitos - esta é a paleta do "século do povo em movimento", que torna "mais complexa a concretização" da ajuda, identificou o ex-primeiro-ministro português, sublinhando que, só em 2007, o ACNUR prestou auxílio a mais pessoas do que em toda a sua existência.

Esta mistura de factores pode vir a ter "consequências particularmente trágicas", alertou, numa altura em que se multiplicam os "conflitos dos pobres". Guterres realçou ainda os efeitos da "ausência de políticas globais" para lidar com os fluxos de refugiados - 11,4 milhões em todo o mundo. O ACNUR apresenta um estudo da realidade na próxima semana.

Ainda assim, "a comunidade internacional tem revelado alguma capacidade de resposta" face aos desafios, revelando maior disfuncionalidade na gestão das fases de transição, do pós-conflito para a democratização.

O presidente do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), Manuel Correia, faz um balanço "muito positivo" dos Dias do Desenvolvimento, iniciativa a realizar todos os anos. O evento tinha "dois objectivos", realçou ao PÚBLICO. O primeiro era juntar no mesmo local "todos os agentes" que trabalham na área da cooperação. Desse encontro, salientou Manuel Correia, resultou uma certa noção de "família" e a confirmação de que é necessário apostar na "complementaridade", em lugar da muitas vezes existente "concorrência".

O outro objectivo, "mais difícil", era o de levar a discussão sobre o desenvolvimento a "um público muito mais diversificado". Cerca de "cinco mil pessoas" terão estado presentes nos três dias que reuniram organizações públicas e privadas no Centro de Congressos de Lisboa, com espaços para apresentarem os seus projectos. "Já é um universo significativo, mas ficamos sempre com a sensação de que deviam ter vindo mais pessoas", reconhece Manuel Correia, que ressalta a vertente educacional da iniciativa e a intenção de atrair mais público escolar.

O presidente do IPAD, entidade governamental que gere a cooperação portuguesa, retirou ainda algumas oportunidades de melhoria para as próximas edições. "Houve muitos eventos ao mesmo tempo e as pessoas sentiram-se divididas", admitiu.

Simultaneamente, alguns dos debates foram demasiado "técnicos", o que, sublinha, não é necessariamente mau, desde que se assegure a presença de um público interessado. Além disso, empresas e autarquias continuam a estar um pouco à margem do debate sobre a cooperação - quer por auto-exclusão, quer por exclusão.