20.7.08

Ciganos de Loures dizem que só regressam com garantias por escrito das autoridades

Clara Viana, in Jornal Público

Mais cépticas do que os homens, as mulheres temem que já não haja regresso possível. Agora que deram a cara, como vão entrar e viver num bairro que são só quatro ruas?

Só um compromisso escrito garantindo a segurança de pessoas e bens, e assinado pelo ministro da Administração Interna, pela governadora civil de Lisboa e pelo presidente da Câmara de Loures, levará as famílias ciganas da Quinta da Fonte a regressar às casas que abandonaram há dez dias, anunciou ontem o seu representante, José Fernandes. O documento - que o advogado das famílias, Carlos Caria, apelida de "acordo de segurança" - foi entregue por este à governadora civil, Dalila Araújo, numa reunião realizada sexta-feira à noite na Casa da Cultura da Apelação e no final da qual a responsável confirmou o anúncio feito pouco antes pelo presidente da Câmara de Loures. É um compromisso do Estado, disse: "Podem voltar, pois terão todas as garantias de segurança."

Ao fim da tarde de ontem, na Quinta da Fonte, um bairro que é pouco mais de quatro ruas, jovens e crianças africanas matavam tempo entre cafés e arcadas, mas nas artérias não se via um único polícia. Embora o corpo de intervenção estivesse por lá. Duas carrinhas, uma em cada topo do bairro, que é uma encosta, uma delas junto às cinco tendas vazias montadas na véspera para acolher as oito famílias que, segundo a Câmara de Loures, ficaram com as casas vandalizadas após os confrontos da semana passada com elementos da comunidade africana.

"Elementos da Segurança Social e da Cruz Vermelha estiveram lá à espera até às duas da madrugada, mas ninguém apareceu", confirmou o vereador da Habitação da Câmara de Loures, João Pedro Domingues. No pequeno jardim frente à autarquia, preparando-se para a sua terceira noite ao relento, mulheres ciganas são peremptórias na recusa: "Para aí é que não vamos mesmo. Se nos atacam num quarto andar, ali bastava-lhes mandar uma daquelas garrafas que eles fazem, com uma mecha, e lá morríamos todos queimados."Tarde demais?

José Fernandes está seguro de que a melhor solução seria mesmo mudarem de lugar, mas condescende que até poderão voltar se tudo ficar por escrito e assinado. "Faz toda a diferença. Palavras, olhe... O nosso primeiro-ministro não disse que não aumentava o IVA? E depois, mal foi eleito, aumentou. Queremos uma responsabilização individual."O Ministério da Administração Interna confirmou que irá ser assinado um contrato local de segurança entre a governadora civil e a Câmara de Loures. Quanto ao acordo proposto pela comunidade cigana, o gabinete de imprensa do MAI indicou ontem à tarde que ainda não recebera este documento. Já o vereador João Pedro Domingues disse que a câmara não deverá assinar este acordo: "No que toca à Câmara de Loures, a situação está terminada. Reunimos com a governadora civil, com os advogados das famílias ciganas, comprometemo-nos a arranjar os fogos vandalizados. Não vejo por que razão haverá de assinar." O autarca adiantou que vai ser lançado um concurso para a realização daquelas obras, as quais deverão ficar concluídas em Setembro. Não foi possível obter a posição da governadora civil. Ontem, o responsável pela PSP de Loures indicou que continuavam a não ter qualquer instrução para intervir junto dos ciganos concentrados no jardim também fronteiro às instalações da polícia."Andámos anos a pedir que pusessem lá uma esquadra e ninguém nos ouviu", queixa-se Maria Quaresma, 29 anos e quatro filhos entre os dois e os 12.

E se for agora? "É tarde demais. Se voltarmos vai haver mortos de um lado e do outro." O que está em causa entre eles e os vizinhos africanos? O que ela diz, o que as outras acrescentam é isto: "Os nossos filhos, as nossas filhas." Proclamam em desafio que tiraram os miúdos da escola. "Dizem que não se podem responsabilizar, que há muitos miúdos, então temos de ser nós." E de que têm medo? "Eles sabem que as raparigas ciganas são educadas no recato, que a virgindade para nós é muito importante e ameaçam-nas. Por isso, elas ficam em casa."