Clara Viana, in Jornal Público
Mais cépticas do que os homens, as mulheres temem que já não haja regresso possível. Agora que deram a cara, como vão entrar e viver num bairro que são só quatro ruas?
Só um compromisso escrito garantindo a segurança de pessoas e bens, e assinado pelo ministro da Administração Interna, pela governadora civil de Lisboa e pelo presidente da Câmara de Loures, levará as famílias ciganas da Quinta da Fonte a regressar às casas que abandonaram há dez dias, anunciou ontem o seu representante, José Fernandes. O documento - que o advogado das famílias, Carlos Caria, apelida de "acordo de segurança" - foi entregue por este à governadora civil, Dalila Araújo, numa reunião realizada sexta-feira à noite na Casa da Cultura da Apelação e no final da qual a responsável confirmou o anúncio feito pouco antes pelo presidente da Câmara de Loures. É um compromisso do Estado, disse: "Podem voltar, pois terão todas as garantias de segurança."
Ao fim da tarde de ontem, na Quinta da Fonte, um bairro que é pouco mais de quatro ruas, jovens e crianças africanas matavam tempo entre cafés e arcadas, mas nas artérias não se via um único polícia. Embora o corpo de intervenção estivesse por lá. Duas carrinhas, uma em cada topo do bairro, que é uma encosta, uma delas junto às cinco tendas vazias montadas na véspera para acolher as oito famílias que, segundo a Câmara de Loures, ficaram com as casas vandalizadas após os confrontos da semana passada com elementos da comunidade africana.
"Elementos da Segurança Social e da Cruz Vermelha estiveram lá à espera até às duas da madrugada, mas ninguém apareceu", confirmou o vereador da Habitação da Câmara de Loures, João Pedro Domingues. No pequeno jardim frente à autarquia, preparando-se para a sua terceira noite ao relento, mulheres ciganas são peremptórias na recusa: "Para aí é que não vamos mesmo. Se nos atacam num quarto andar, ali bastava-lhes mandar uma daquelas garrafas que eles fazem, com uma mecha, e lá morríamos todos queimados."Tarde demais?
José Fernandes está seguro de que a melhor solução seria mesmo mudarem de lugar, mas condescende que até poderão voltar se tudo ficar por escrito e assinado. "Faz toda a diferença. Palavras, olhe... O nosso primeiro-ministro não disse que não aumentava o IVA? E depois, mal foi eleito, aumentou. Queremos uma responsabilização individual."O Ministério da Administração Interna confirmou que irá ser assinado um contrato local de segurança entre a governadora civil e a Câmara de Loures. Quanto ao acordo proposto pela comunidade cigana, o gabinete de imprensa do MAI indicou ontem à tarde que ainda não recebera este documento. Já o vereador João Pedro Domingues disse que a câmara não deverá assinar este acordo: "No que toca à Câmara de Loures, a situação está terminada. Reunimos com a governadora civil, com os advogados das famílias ciganas, comprometemo-nos a arranjar os fogos vandalizados. Não vejo por que razão haverá de assinar." O autarca adiantou que vai ser lançado um concurso para a realização daquelas obras, as quais deverão ficar concluídas em Setembro. Não foi possível obter a posição da governadora civil. Ontem, o responsável pela PSP de Loures indicou que continuavam a não ter qualquer instrução para intervir junto dos ciganos concentrados no jardim também fronteiro às instalações da polícia."Andámos anos a pedir que pusessem lá uma esquadra e ninguém nos ouviu", queixa-se Maria Quaresma, 29 anos e quatro filhos entre os dois e os 12.
E se for agora? "É tarde demais. Se voltarmos vai haver mortos de um lado e do outro." O que está em causa entre eles e os vizinhos africanos? O que ela diz, o que as outras acrescentam é isto: "Os nossos filhos, as nossas filhas." Proclamam em desafio que tiraram os miúdos da escola. "Dizem que não se podem responsabilizar, que há muitos miúdos, então temos de ser nós." E de que têm medo? "Eles sabem que as raparigas ciganas são educadas no recato, que a virgindade para nós é muito importante e ameaçam-nas. Por isso, elas ficam em casa."