20.7.08

Confecção que produz para a Zara acusada de explorar mão-de-obra infantil

Natália Faria , in Jornal Público

Confecção que produz para a Zara acusada de explorar mão-de-obra infantil

Os dois menores detectados, de 14 e 15 anos e ambos sem a escolaridade obrigatória, serão acompanhados e a empresa de Paços de Ferreira denunciada junto do Ministério Público
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) de Penafiel detectou dois menores a trabalhar numa confecção de Paços de Ferreira que tem a Inditex, proprietária da marca Zara, na lista de clientes. Os proprietários da empresa, a Cunha & Alves Lda., com cerca de 150 trabalhadores, terão tentado fazer sair os menores de 14 e 15 anos, quando se aperceberam da presença dos inspectores da ACT. Detectada a infracção, a empresa será alvo das respectivas contra-ordenações (cujo montante é fixado em função do respectivo volume de negócios) e denunciada junto do Ministério Público pela prática do crime de recurso ao trabalho de menores.

O PÚBLICO tentou contactar os responsáveis da confecção, mas nenhum se mostrou disponível para comentar o caso. A empresa, localizada na freguesia de Raimonda, já foi alvo de diversas inspecções na sequência de denúncias anteriores. E não é a primeira vez que ali são apanhados menores a trabalhar. Desta vez, a situação dos jovens, ambos sem a escolaridade obrigatória, será comunicada às estruturas locais do PETI - Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil.Em 2006, o Expresso denunciou a situação de várias crianças na região de Felgueiras que costuravam sapatos à mão para uma empresa subcontratada pela Inditex, tendo mesmo apontado o caso de dois irmãos, de 11 e 14 anos, que cosiam sapatos da Zara a troco de 40 cêntimos por par.

Na sequência dessa denúncia, a Inditex desencadeou uma investigação que culminou com a rescisão do contrato que mantinha com aquela empresa. E não foi caso único. Só em 2006, cerca de 300 empresas, algumas das quais portuguesas, foram dispensadas pela Inditex por violarem o código de conduta a que estão obrigados todos os fabricantes e fornecedores externos do grupo galego, que detém ainda marcas como a Pull and Bear, Massimo Dutti e Stradivarius. O referido código estabelece que a Inditex não pactuará com nenhuma forma de trabalho infantil e que em nenhum caso manterá relações comerciais com empresas que recorram ao castigo físico, assédio ou qualquer outro tipo de abuso de poder.

Contactado pelo PÚBLICO, o director da delegação de Penafiel da ACT, António Neves Ferreira, confirmou a existência de menores apanhados a trabalhar na Cunha & Alves. Mas mostrou-se convencido de que se trata de um caso esporádico. "Não me parece que o recurso ao trabalho infantil continue a ser um paradigma da cultura empresarial da região", declarou, admitindo porém que "os casos esporádicos existem" e que "não se pode varrê-los para debaixo do tapete". A empresa situa-se numa região onde o abandono escolar teima em manter-se muito acima da média nacional. "A região pode ter o futuro hipotecado por causa do abandono escolar e a questão que se coloca é que as empresas não podem ser substitutas das escolas", alerta o responsável da ACT, para quem compete ao Estado criar alternativas para os jovens que não querem permanecer na escola.