30.7.08

Fracassaram as negociações da OMC para um acordo que acelere o desenvolvimento

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Profundas divergências entre os Estados Unidos e a Índia determinam ruptura num processo negocial que parecia bem encaminhado nos últimos dias

Pela quarta vez em sete anos, e depois de uma maratona negocial de nove dias em Genebra, as negociações para um novo acordo comercial mundial fracassaram, pondo cada vez mais em risco a chamada "ronda de Doha para o desenvolvimento".

A ruptura foi constatada ao fim da tarde, depois de um longo braço de ferro entre os Estados Unidos e a Índia, deitando por terra as expectativas reais de acordo que começaram a surgir nos últimos dias entre os ministros do Comércio das cerca de trinta maiores potências comerciais mundiais.

Mesmo se este novo fracasso - o quarto desde que a "ronda de Doha" foi lançada em 2001 para dinamizar o comércio internacional e impulsionar o desenvolvimento dos países pobres - não terá consequências de maior no curto prazo, não deixa de constituir mais uma má notícia para uma economia mundial deprimida. "Estávamos tão perto de conseguir fechar" o acordo, lamentou Susan Schwab, representante da administração americana para o comércio.

"É um fracasso colectivo, mas as consequências (...) serão sentidas de maneira desproporcionada pelos mais vulneráveis na economia mundial", afirmou Peter Mandelson, comissário europeu responsável pela política comercial, que negoceia em nome da União Europeia (UE). "Espero que o que conseguimos alcançar esta semana possa ser usado pelo menos enquanto base para o futuro", defendeu por seu lado Phil Goff, ministro do Comércio da Nova Zelândia.

Pascal Lamy, director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), frisou por seu lado que tentará ressuscitar as negociações, embora sem saber por agora como nem quando. Lamy tinha conseguido realizar na sexta-feira um progresso real ao obter o assentimento de princípio de seis dos principais sete exportadores mundiais às suas propostas de redução dos subsídios pagos pelos países ricos aos seus agricultores, e de diminuição dos direitos aduaneiros para os produtos agrícolas e industriais.

O optimismo resultante deste passo começou a deteriorar-se na segunda-feira, em torno de um detalhe do acordo agrícola, um "mecanismo especial de salvaguarda" exigido por vários países em desenvolvimento para poderem aumentar drasticamente os direitos aduaneiros em caso de aumento abrupto das importações.

Liderados pela Índia, estes países pretendiam fixar a um nível muito baixo o limiar de aumento das importações a partir do qual as tarifas poderiam ser aumentadas, o que os Estados Unidos consideram contraditório com o princípio da abertura dos mercados. O braço-de-ferro sobre esta questão, que se arrastou durante todo o dia de segunda-feira, acabou por ser o factor da ruptura.

Este estava no entanto longe de ser o único tema difícil das negociações: as subvenções americanas aos produtores de algodão, fortemente contestadas por vários países africanos e pela China - que recusou abrir o seu mercado neste sector (em conjunto com o arroz e o açúcar) se Washington não baixasse as suas subvenções em 82 por cento -prometia ser um dos temas mais polémicos. Outro osso que se anunciava duro de roer era a frente aberta por nove países europeus - entre os quais Portugal - contra o esboço de compromisso aceite na sexta-feira por Mandelson. Os nove contestam o fraco grau de abertura dos países emergentes às suas exportações industriais e de serviços, e exigem um elevado nível de protecção das "indicações geográficas" associadas a várias regiões (vinhos do Porto e da Madeira, por exemplo) contra cópias do resto do mundo.a Uma das primeiras vítimas colaterais do fracasso de Doha será o acordo concluído entre a União Europeia (UE) e os países da América Latina de melhoria do acesso da sua produção de banana ao mercado comunitário."Este acordo esteve sempre ligado a Doha", afirmou ontem um porta-voz da Comissão Europeia, em Genebra. "Não era um acordo isolado, e iria integrar o pacote de Doha, logo, não há acordo sobre a banana", precisou.

Concluído no domingo igualmente em Genebra, o acordo obrigaria a UE a reduzir os seus direitos aduaneiros sobre a chamada "banana dólar" de 176 euros por tonelada actualmente, para 114 euros, em 2016.

Este entendimento provocou os protestos veementes dos países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) que vendem a sua produção de banana à UE sem quaisquer direitos aduaneiros, e encaram assim a melhoria das de entrada da "banana dólar" como uma ameaça à sua própria produção, bem menos competitiva. Consciente do problema, a UE estava aliás ontem a negociar uma ajuda financeira à reestruturação e modernização da produção destes países para lhes permitir enfrentar a concorrência das grandes multinacionais americanas instaladas em países como o Equador, o maior produtor mundial, ou a Costa Rica.

O acordo de domingo teria igualmente a vantagem de encerrar de vez quase trinta anos de contenciosos abertos na Organização Mundial do Comércio (OMC) pelos Estados Unidos e países latino-americanos contra a UE, que esta perdeu sistematicamente, devido ao regime preferencial oferecido aos ACP.