30.7.08

Jogos mostram a china repressiva

Abel Coelho de Morais, in Diário de Notícias

Direitos humanos. A Amnistia Internacional considera que desde que a China foi escolhida para os Jogos Olímpicos em 2001, se deteriorou a situação dos direitos humanos. As autoridades usaram os Jogos como pretexto para intensificar a repressão, neutralizando as ilusões de alguns sobre uma possível abertura do regime


País critica Amnistia Internacional

O legado dos Jogos Olímpicos de Pequim não será positivo para os direitos humanos na China, conclui um relatório da Amnistia Internacional (AI) ontem divulgado, em que se traça um quadro pessimista sobre a repressão política no país que acolhe as XXIX Olimpíadas de hoje a oito dias.

O documento da AI conclui não se terem verificado mudanças qualitativas em aspectos centrais como a pena de morte, perseguições a activistas e opositores políticos, prisões sem julgamento. O relatório nota ainda o aumento das medidas restritivas nos media e na internet, acentuando uma tendência constatada em outros trabalhos da AI sobre a situação dos direitos humanos na China.

As conclusões da AI coincidem com um anúncio do Comité Olímpico Internacional (COI) em que avisa os jornalistas na China a acompanharem os Jogos de que a internet estará sob vigilância das autoridades e que estas vão bloquear muitos sites de conteúdo negativo para o regime. O anúncio do COI vem confirmar os receios daqueles que consideravam vazias as promessas chinesas em matéria de direitos humanos e liberdade de imprensa, quando o país foi escolhido em 2001. A situação obrigou ontem um dos principais responsáveis do COI, Kevan Gosper, a clarificar o alcance do livre acesso à Internet, mantendo que este se aplicava apenas a questões e sites relacionadas com as "competições olímpicas".

Um exemplo do controlo da internet era mencionado ontem num comunicado da AI, em que dava conta de estar bloqueado o acesso ao seu site - além de outros relacionados com a questão do Tibete, a BBC e medias de Taiwan, referiam por sua vez as agências - a partir do centro de imprensa dos Jogos em Pequim.Exemplo da actuação das autoridades face aos media estrangeiros é o facto referido no relatório da AI: só este ano, já se registaram 230 casos de obstrução à actividade de elementos dos media credenciados na China.

Pequim criticou o relatório: um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros disse que o relatório resulta de "uma visão distorcida" que aquela organização perpetua, em vez de "olhar para a China de uma forma equilibrada e objectiva, e actuar de forma mais construtiva". O balanço da AI, intitulado Contagem Decrescente para as Olimpíadas: As Promessas Falhadas, analisa a actuação das autoridades de Pequim em áreas em que se podem invocar valores olímpicos - como a dignidade humana - e conclui que ao contrário do defendido por alguns, de que os Jogos seriam um instrumento de liberalização do regime, este manteve a actuação repressiva e intensificou-a.

Para uma das responsáveis da AI, Roseann Rife, a preparação dos Jogos "causou a deterioração dos direitos humanos". A actuação do Governo em todo o processo de modernização de Pequim, ao proceder à deslocação forçada de populações, à destruição compulsiva de áreas inteiras da cidade e a medidas repressivas sobre elementos "indesejáveis" são disso exemplo. As conclusões da AI são também duras para com o COI, que acusa de um excesso de reverência para com o Governo chinês. O relatório cita declarações do presidente do COI, Jacques Rogge, desde 2002 até hoje, em que os seus comentários sobre a situação na China não são seguidos por nenhum tipo de acção por parte daquele órgão.Em contrapartida, o responsável do COI para os Jogos de Pequim, Hein Vebruggen, elogiou as autoridades chinesas, "não mencionando qualquer violação específica de direitos humanos", lê-se no relatório da AI.

PEQUIM PRESSIONA JURISTAS PREOCUPADOS COM O TIBETE

As manifestações antichinesas no Tibete constituem o mais recente exemplo, segundo a Amnistia, de como as autoridades de Pequim prosseguem numa política sistemática de violação dos direitos humanos, de repressão e de censura nos media. Muitos activistas continuam a ser presos e julgados, enquanto outros são forçados a cumprir longas penas em prisão domiciliária. O relatório da AI nota que, à medida que se aproximava a data das Olimpíadas, as autoridades acentuaram a pressão sobre os activistas e as suas famílias, acusando os primeiros de crimes abstractos, como de serem um "risco para a segurança do Estado", de defenderem o "separatismo", ou de "revelarem segredos de Estado".

O Governo chinês tem também procurado pressionar juristas que se envolvem nas questões da oposição política e dos activistas de direitos humanos. A AI cita o caso dos advogados Teng Biao e Jiang Tiayong que, em Maio deste ano, virem ser-lhes retiradas as suas licenças para a advocacia, depois de ambos terem assinado, com outros juristas, um documento no mês anterior oferecendo ajuda legal sem honorários aos tibetanos detidos nos protestos em Lassa. Segundo estes juristas, foi-lhes comunicado formalmente que nem eles nem os seus escritórios deviam ter qualquer envolvimento na questão do Tibete. A licença de Jiang Tiayong acabou por ser renovada, mas Teng Biao continua interdito de aparecer em tribunal.

LISTA NEGRA. Da pena de morte ao reforço da censura na Internet

A FALSA TRANSPARÊNCIA NO CASO SICHUAN

A AI refere que as autoridades chinesas prosseguiram uma política de transparência inicial após o terramoto de Sichuan, permitindo o acesso à região dos órgãos de comunicação e descrevendo com relativa exactidão os factos. Mas esta atitude depressa mudou, quando começaram a ser revelados detalhes comprometedores para o regime e para os responsáveis do Governo e do partido. O relatório afirma que "quando as famílias das vítimas começaram a exigir a responsabilização" pela deficiente construção das escolas e quando aquelas quiseram viajar para Pequim, foram impedidas pelas autoridades locais.

AS RESTRIÇÕES AOS ESTRANGEIROS

Lê-se no relatório que o Comité chinês dos Jogos divulgou no início de Junho um conjunto de regras que, segundo a Amnistia, viola o direito de expressão e associação dos estrangeiros de visita à China durante o evento. "E isto inclui os atletas, os dirigentes e outros visitantes", escreve a AI. Segundo aquele código, os estrangeiros não podem colocar "em risco a segurança do Estado, prejudicar os direitos e interesses da sociedade nem perturbar a estabilidade social". Os estrangeiros são aconselhados a não levarem para a China livros, jornais ou DVDS que "prejudiquem a política, a economia, a cultura e a moral".

O LIMITE DAS REFORMAS NO CASO DA PENA DE MORTE

A AI nota que há cada vez mais académicos e juristas a expressarem reservas sobre a aplicação da pena de morte, com a imprensa a divulgar casos da execução de inocentes. Estes casos e os comentários dos especialistas mantêm o tema na primeira linha da actualidade. O facto do Supremo Tribunal Popular rever todas as condenações à morte é saudado pela AI, mas não deixa de lhe reconhecer limites e aspectos "opacos". A Amnistia denuncia o facto de não serem divulgados os números de execuções e a hipocrisia das autoridades chinesas terem substituído o fuzilamento por uma injecção com o argumento de ser "mais humana". A AI denuncia ainda o facto de ser elevado o número de crimes (quase 70) susceptíveis da pena capital.

CONTROLO E RESTRIÇÕES NA INFORMAÇÃO

O relatório da AI cita compromissos assumidos por Pequim de transmitir em directo "sem atrasos" os eventos dos Jogos para, em seguida, por em contraste as promessas com os factos. Além de inúmeros casos de jornalistas estrangeiros impedidos de fazer o seu trabalho, a AI sublinha que os "jornalistas chineses vivem sujeitos a um clima de censura e controlo oficiais, muitos deles a cumprirem longas penas de prisão". Também "os controlos da internet têm sido reforçados à medida que se aproximam os Jogos", ao contrário do prometido pelas autoridades.

EXCESSOS NA REPRESSÃO NO TIBETE

A Amnistia considera que Pequim utilizou meios excessivos para restabelecer a ordem na capital do Tibete, Lassa. O Relatório refere o "uso de força excessiva, por vezes mortal contra os manifestantes". Embora reconheça, citando fontes tibetanas, que a maioria dos detidos em Março já foi libertada, denuncia o facto de, até hoje, Pequim nunca ter explicado as condições em que foi morta a maioria dos manifestantes assim como não fornece elementos sobre os que permanecem presos nem sobre o seu local de detenção.