17.7.08

Mutação num gene torna as pessoas de ascendência africana mais susceptíveis ao HIV

Ana Gerschenfeld, in Jornal Público

É uma autêntica faca de dois gumes genética: antes protegia da malária, hoje fragiliza face ao HIV

Uma mutação genética presente apenas nas pessoas de ascendência africana, que em tempos as protegia contra a malária, faz hoje aumentar até 40 por cento a sua susceptibilidade ao vírus da sida. A descoberta, pela primeira vez, de um factor de risco genético face ao HIV nos africanos e seus descendentes foi ontem publicada na revista Cell Host & Microbe.Um dos mistérios em torno do HIV é a variabilidade, não só da vulnerabilidade de cada um ao vírus, como na progressão para a sida. Pensava-se que fosse devida ao vírus, mas sabe-se hoje que depende fortemente da genética humana individual. Esta é mais uma prova.

"A principal mensagem", diz o co-autor Robin Weiss, do University College de Londres, "é que algo que protegia contra a malária no passado está a deixar o hóspede mais susceptível ao HIV". O gene em questão chama-se DARC (Duffy Antigen Receptor for Chemokines). Fabrica uma proteína da membrana dos glóbulos vermelhos do sangue que se liga a substâncias inflamatórias, as quemoquinas, que são muito eficazes contra o HIV. Nos portadores da mutação, essa proteína de superfície não existe. A mutação confere resistência à malária transmitida pelo parasita P. vivax, que já terá sido o principal responsável pela doença (hoje, é o P. falciparum).

Os cientistas, liderados por Sunil Ahuja, da Universidade do Texas, analisaram os dados de mais de 1200 militares norte-americanos de diversas origens étnicas e constataram que, entre os de ascendência africana, a mutação do gene DARC era mais frequente nos seropositivos do que nos seronegativos. No continente africano, 90 por cento da população tem a mutação, razão pela qual poderá ser responsável por 11 por cento das infecções pelo HIV (nem os comportamentos sexuais nem outros factores sociais conseguem explicar as diferenças de prevalência do HIV entre este continente e outras regiões do mundo).

Uma vez infectados pelo HIV, porém, os portadores da mutação vivem cerca de dois anos mais do que os outros, acrescentam os cientistas.