Luísa Botinas, in Diário de Notícias
Quinta da Fonte. O bairro voltou a ser o centro das atenções. Uma marcha de moradores apelou à Paz, enquanto a comunidade cigana permaneceu à porta da Câmara de Loures. A polícia, entretanto, desmantelou fábricas ilegais de armamento
O bairro da Quinta da Fonte está ferido e as mazelas à vista. Casas esventradas, retretes deitadas ao lixo e portas pelo chão da principal artéria que o atravessa, a Avenida José Afonso. Mais de 300 pessoas, segundo os números da polícia, percorreram-na ontem de flor branca na mão para dar um sinal. "Um sinal de que não pode haver medo; de que estamos abertos ao regresso de quem saiu. Um sinal de que temos de trabalhar juntos", disse Marco Martins.
Marco e outros amigos africanos participaram ontem na Marcha pela Paz, organizada pela Vitamina C (um grupo de jovens católicos), Associação de Jovens da Apelação e o Grupo Cidadania.
Também ele percorreu as ruas da Apelação, e entrou no seu bairro, passou à porta onde vive, mas o seu vizinho, cigano, do mesmo prédio não veio. Nem ele nem as 53 famílias a viver actualmente num jardim público à frente dos Paços do Concelho de Loures. "Acredito que esta marcha seja um sinal para que eles vejam que há abertura de todos. Para que voltem. E eu acredito que vão voltar. Da nossa parte, estamos a mostrar que queremos. Agora é preciso que eles queiram também", acrescenta o jovem. Maria Barroso, que igualmente participou na iniciativa, tal como o padre Vítor Melícias, acredita que sim. "Tenho fé que as pessoas sejam tolerantes", afirmou.Rosário Farmhouse, alta comissária para as minorias étnicas, também considera que o sinal dado com a marcha é importante. "Mas é preciso ir com cuidado e com tempo porque as feridas ainda estão abertas."
O regresso da maioria das famílias ciganas (cinco ainda permanecem no bairro) à Quinta da Fonte pode ser uma realidade, na opinião da governadora civil de Lisboa, Dalila Araújo. "Acredito que algumas voltem, ainda que gradualmente", disse ao DN. Mas, horas antes, José Fernandes, porta- -voz da comunidade cigana, não parecia dar, também ele, sinais nesse sentido. "Não podemos voltar. Não há condições. Porque é que teimam em empurrar-nos. O melhor era trocarem as nossas casas por outras noutros locais. Mesmo que ficássemos espalhados." "Fora de questão", disse, na hora, o autarca de Loures, quando o DN o ouviu à porta da câmara.
A poucos quilómetros dali, a marcha, essa, começou depois da hora marcada e a pouco e pouco a coluna foi engrossando. Primeiro uma oração e depois a música, foi mobilizando mais participantes. Uns na rua, outros à janela, acenando com panos brancos. A meio da avenida principal da Quinta da Fonte, a banda da Igreja Kimbanjista fez um compasso de espera, mesmo à frente de uma das habitações vandalizadas. O desfile acabou com uma celebração ecuménica na Casa da Cultura da Apelação."
É bom que as pessoas venham às janelas, é um sinal de que também elas estão contra o medo aqui no bairro, senão não apareciam", observou Helena Roseta. A arquitecta e vereadora da Câmara Municipal de Lisboa considera que "ainda há muito trabalho pela frente. Além do investimento financeiro é preciso investir no capital social. É preciso que as pessoas se sintam acompanhadas e não abandonadas nos seus bairros. Se houver essa rede social, os moradores sentem-se unidos no bairro em que vivem e não têm medo. Mas, acima de tudo, o bairro precisa de tempo", concluiu.