23.7.08

"Regressem às suas casas ou entreguem as chaves"

Andreia Sanches, in Jornal Público

Depois de expulsas de um jardim em Loures, as famílias ciganas foram para Ponte Frielas. Câmara diz que já não pode fazer mais nada

Agentes da equipa de intervenção da PSP caminham para cá e para lá no bairro quase deserto da Quinta da Fonte, em Loures. Jovens de etnia africana conversam nos degraus das portas dos prédios de paredes grafitadas. Uma mulher cigana sentada num passeio vai partindo em bocados uma banana e enfiando pedaços na boca de um menino de três anos. "É o meu filho, estou aqui sozinha com ele", diz baixinho, com os olhos esbugalhados.

Ontem, era a única cigana nas ruas deste bairro que 50 famílias ciganas abandonaram há vários dias. "Só fiquei porque sou doente dos nervos, tenho que tomar comprimidos, não durmo", conta, sem dizer o nome. "Mas os ciganos não podem voltar para aqui senão matam-nos. Eu tenho medo, mas tenho cuidado com o que digo." Uma rapariga de 14 anos, de origem africana, passa com uma amiga. Diz que também tem receio dos problemas que possam surgir com o regresso dos ciganos. "Só quero que esses caras de cu se vão embora", deixa escapar um jovem que olha de esguelha para um dos agentes da polícia. É dele que está a falar. Outro rapaz manda-o calar, e convida o PÚBLICO a ir embora.

Operação policial criticadaFaz um sol de três da tarde e mais ou menos à mesma hora, a 10 minutos dali, dezenas de ciganos, todos com casa atribuída na Quinta da Fonte (às quais se recusam a voltar desde o tiroteio de há duas semanas), são convidados pela equipa de intervenção da PSP a sair da rotunda relvada em Ponte Frielas para onde foram pela manhã.

Resta-lhes o passeio e o lavadouro público mesmo ao lado. De madrugada, já tinham sido expulsos pela PSP do jardim em frente à Câmara Municipal de Loures, onde havia cinco noites que dormiam, na esperança da autarquia aceitar atribuir-lhes outras casas que não na Quinta da Fonte. António Caria, o advogado que os representa, diz que a operação poli-cial no jardim (que aconteceu por volta das seis da manhã e envolveu 35 homens de três equipas de intervenção da PSP) não foi "própria de um Estado democrático": "Mal do país quando as pessoas não podem estar onde querem".

À medida que a tarde avançava, as famílias esperavam sem saber ao certo do quê. Durante a tarde também foram impedidas de montar tenda num terreno contíguo ao campo de futebol do Frielas, ali perto. E mesmo junto a rotunda não sabia se iam poder continuar. "Por enquanto não vamos fazer nada", disse ao fim do dia o comissário da PSP Resende da Silva. Desde que os ciganos não montem tendas, não pisem os jardins, não façam barulho durante a noite, nem nenhuma manifestação, porque as manifestações precisam de ser autorizadas. "Se eles ficarem aqui sentados, tal como estão", podem ficar.

"Gozar connosco"

"A nossa casa agora é a rua, se saírmos daqui vamos para outro lugar", assegurava Célia, de 26 anos, mãe de três das muitas crianças que, alheias ao trânsito intenso à volta da rotunda, brincavam no lavadouro.

"Esta manhã senti-me um prisioneiro", reclamava Abílio Quaresma, de 43 anos. "A polícia chegou ao jardim da câmara onde estávamos a dormir, mandou-nos arrumar as coisas à pressa e alinhar os carros. Trouxeram armas e cassetetes e disseram que tínhamos que ir para a Apelação. Escoltaram-nos e não nos deixaram parar até à Quinta da Fonte." Chegados ao terreiro junto ao bairro onde foram colocadas tendas do Exército, os ciganos recusaram a ficar. "É gozar conosco achar que íamos ficar ali tão perto."

Carlos Teixeira, presidente da Câmara de Loures, explicara: "Escolhemos esse terreno para que as crianças que frequentam as creches na Apelação pudessem continuar a frequentá-las." E alerta: "Se acampam aqui e acolá estão sujeitos a que as autoridades os retirem de lá. Qualquer acampamento tem que ter autorização, se não tem, cabe ao Governo Civil e à Administração Interna actuar."

"As famílias terão que regressar às suas casas ou entregar as chaves e pagar as dívidas que têm", afirma o autarca. É que a maioria tem rendas em atraso e processos em tribunal que podem até resultar em acções de despejo: "Só em rendas devem 44.592 euros e em água 151.232 euros. Só uma família deve 17 mil euros de água." As famílias dizem que não pagam porque há muito que pedem para sair do bairro.

O autarca acrescenta que o receio em relação à Quinta da Fonte não faz sentido. "Já lhes foram garantidas condições de segurança." com Daniela Gouveia

Só uma das famílias tem dívidas de 17 mil euros por falta de pagamento da água, diz o autarca Carlos Teixeira.