Daniela Gouveia e Andreia Sanches, in Jornal Público
Enquanto decorria a manifestação simbólica na Apelação, famílias ciganas preparavam-se para a quinta noite a dormir num jardim
Gerberas e t-shirts brancas. De repente, a freguesia da Apelação encheu-se de gente, de flores e de música. Foi ontem, ao fim da tarde - aquela altura do dia em que os moradores da zona, sobretudo os mais velhos, costumam ter medo de sair à rua. Desta vez não foi assim. "Juntos construímos mais", lia-se na t-shirt de Marco Martins, de 18 anos, membro da Associação de Jovens da Apelação (AJA), uma das organizações que planearam a "marcha pela paz" até ao bairro da Quinta da Fonte, no concelho de Loures - o bairro onde no dia 10 um tiroteio entre moradores espalhou o pânico."
A t-shirt diz tudo. Estamos aqui para mostrar à sociedade que não queremos guerra com os ciganos, que as desavenças são águas passadas e que o futuro é promissor", explicava o jovem. "É preciso criar um clima de tranquilidade e a paz tem que ser construída dentro do bairro, por isso é que as pessoas estão aqui", dizia Luís Pascoal, coordenador do gabinete de apoio à comunidades ciganas do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Mas junto à igreja da Apelação, freguesia onde se localiza a Quinta da Fonte, não se avistava ninguém da comunidade cigana para participar na manifestação. "A tristeza disto é que não há aqui um cigano presente, só se vê africanos, assim nunca mais...", desabafava uma mulher que via nesta ausência um mau sinal.
Apesar disso, as ruas encheram-se de festa. Houve mulheres a dançar, trompetes e tambores. A fanfarra da Igreja Kimbangista deu uma ajuda. "Todos são bem-vindos à Quinta da Fonte", garantia Délcio Martins, membro da Aja, que ontem não tinha mãos a medir com a organização de uma manifestação que acabou por juntar 400 pessoas, segundo a PSP - entre as quais a governadora civil de Lisboa, Dalila Araújo, a alta-comissária para a Imigração, Rosário Farmhouse, a vereadora da Câmara de Lisboa Helena Roseta e a ex-primeira-dama Maria Barroso.
Mas nem todos acreditam na paz. José Fernandes, um dos ciganos da Quinta da Fonte que ontem se preparavam para passar a quinta noite no jardim em frente à Câmara Municipal de Loures - juntamente com outras 40 famílias ciganas - continua a insistir que ao bairro os ciganos não voltam. Câmara de Loures e Governo garantem, contudo, que essa é a única solução. "Está garantido pelo Ministério da Administração Interna e pelo governo civil que haverá segurança", voltou a afirmar o presidente da Câmara de Loures, Carlos Teixeira.
José Fernandes não se conforma - no domingo chegou até a anunciar que à falta de resposta satisfatória "os ciganos de Portugal" iriam ser convocados para uma concentração na Quinta da Fonte, e lá ficariam até as suas reivindicações serem atendidas. Ontem à tarde, contactado pelo PÚBLICO, recuava. Garantia que não estava a ser planeada nenhuma manifestação. "Amanhã [hoje] vêm apenas alguns pastores das igrejas para rezar e dar-nos alguma tranquilidade."
Momentos antes, o ministro da Ad-ministração Interna, Rui Pereira, tinha reagido mal às ameaças de protesto nacional: "O Governo, o ministério e as forças de segurança não recebem ultimatos nem cedem em nenhuma situação a coacções".