Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público
Nos próximos dois anos, Portugal preside a organização que precisa de fundos e da influência de todos os membros para promover o uso do português em organizações internacionais
As "grandes linhas" da presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que Portugal assume a partir de hoje e nos próximos dois anos serão conhecidas hoje na cimeira de chefes de Estado e de Governo. A sua aplicação será um importante teste à vontade política dos oito estados-membros para com uma comunidade frequentemente apontada pela sua falta de acção e dinâmica. A cimeira aprovará uma declaração - A Língua Portuguesa: um património comum, um futuro global, em nome dos Oito - mas sem a presença dos chefes de Estado de Angola, José Eduardo dos Santos, e de Moçambique, Armando Guebuza.
Ontem mesmo, Luís Amado, chefe da diplomacia portuguesa, elogiou o trabalho do secretário executivo da CPLP, o embaixador cabo-verdianoLuís Fonseca (que agora cessa funções), pela "estabilização do rumo da organização" nos últimos quatro anos. Mas ressalvou que muito depende dos países que presidem à comunidade, e que nesses quatro anos, São Tomé e Príncipe e a Guiné-Bissau, que presidiram à CPLP, passaram por momentos de grande instabilidade.Agora sob a presidência portuguesa, muita da acção da comunidade dos Oito será centrada no fortalecimento da presença da língua portuguesa no mundo e nas organizações internacionais, um desejo manifestado pelo Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Ainda em Brasília, Lula afirmou ontem que a cimeira representará "uma valiosa oportunidade" para os líderes da comunidade encontrarem formas de dar "mais voz e mais peso" à língua portuguesa na comunidade internacional. Numa altura em que o Brasil se apresenta como um dos representantes dos países do Sul, candidato a um lugar permanente no Conselho de Segurança, espera-se que da cimeira de hoje saia a declaração de uma intenção para tornar o português uma das línguas de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) a acrescentar às seis existentes: inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe. Ausências notadasA comunidade precisará da influência de todos os oito Estados-membros e de "um fundo enorme", segundo disse ao PÚBLICO um elemento do secretariado-executivo da organização, muito além do fundo de 30 milhões de euros (aberto a outras contribuições) que Portugal anunciou na semana passada para a promoção do português.
Eduardo dos Santos faz-se representar pelo primeiro-ministro, Fernando Dias dos Santos ("Nandó"), ontem recebido em Belém pelo Presidente português Cavaco Silva, contrariando a expectativa criada por um anúncio do primeiro-ministro português. José Sócrates, em visita a Luanda na semana passada, avançara e realçara a importância da suposta presença do Presidente angolano na cimeira de hoje. Numa mensagem transmitida pelo primeiro-ministro angolano a Cavaco Silva, José Eduardo dos Santos fez saber "o quanto gostaria de estar na cimeira", e justificou a ausência com os preparativos das eleições legislativas de 5 de Setembro. Luanda fez-se ontem representar na reunião de ministros não pelo chefe da diplomacia, João Miranda, como também estava previsto, mas pelo "número dois" do ministério Jorge Chicoty.
E também o embaixador angolano em Lisboa, Assunção dos Anjos, não esteve presente na reunião de ontem - quem participou foi sim o embaixador angolano na Guiné-Bissau, motivando dúvidas sobre o real compromisso de Luanda para com a organização. Também notada será hoje a ausência do chefe de Estado de Moçambique, Armando Guebuza, actualmente em presidência aberta pelo país, e da primeira-ministra Luísa Diogo, sendo quem chefia a delegação (de hoje e de ontem) o ministro dos Negócios Estrangeiros Oldemiro Baloi. Ontem, na reunião à porta fechada dos ministros dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado preferiu "não levantar muito o véu" sobre o que serão as conclusões da cimeira de hoje.
Resoluções aprovadas
Além do enfoque na promoção da língua, será hoje ratificada uma Declaração de Lisboa, e também aprovadas 14 resoluções, entre as quais a admissão do Senegal como país observador, que assim se junta, nesse estatuto, às ilhas Maurícias e à Guiné Equatorial, admitidos em 2006. Luís Amado desmentiu que Angola se tenha oposto à admissão de Marrocos (um país próximo do antigo líder da UNITA, Jonas Savimbi) enquanto país observador e prometeu que a CPLP trabalhará, nos próximos dois anos, "no sentido de criar condições para que Marrocos venha a ter estatuto de observador".
E sobre o "desprestígio" para a CPLP que representa a admissão de um país como a Guiné Equatorial onde vigora um regime opressivo, realçou que essa foi uma decisão tomada no passado, e que a CPLP era uma "comunidade muito diferenciada" de "países soberanos".