21.7.08

Segurança Social motiva processos de adopção

HelenaTeixeira da Silva, in Jornal de Notícias

Em Viana do Castelo, várias famílias contestam relatórios que levam o tribunal a retirar-lhes os filhos. Rosa Lima recorreu da sentença e ganhou. Mas viveu sete meses esquecida pelo Estado

Rosa Lima é pobre. Tem 33 anos e cinco filhos. Há seis anos, desempregada, pediu ajuda financeira à Segurança Social. Em vez do apoio, institucionalizaram-lhe os menores com vista à adopção. Inconformada, recorreu. E ganhou.

As crianças foram-lhe devolvidas há sete meses, mas a SS ignorou a sentença que a obrigava a acompanhar a família. Só na semana passada, e já depois de ter sido contactada pelo JN, a SS de Viana do Castelo, onde Rosa reside, rectificou parcialmente a situação: havia 1700 euros de Rendimento Social de Inserção em atraso; o abono das crianças estava a ser depositado numa conta desactivada. Na prática, a família sobreviveu com os 400 euros mensais que a progenitora aufere actualmente como jardineira, mas dos quais é preciso subtrair 150 euros para a renda da casa. Contas feitas, sobram 250 euros, o que representa cerca de 41 euros por mês a cada um dos seis membros do agregado, ou seja, pouco mais de um euro por dia.

Depois do recurso, as técnicas da SS - obrigadas pelo Tribunal da Relação de Guimarães a fazer visitas periódicas à família "para prestar apoio pedagógico, social e económico" - nunca detectaram a situação. Isto, apesar de a pobreza ter sido um dos factores que apontaram nos relatórios - aos quais o JN teve acesso - que levaram a Comissão de Protecção a colocar os menores na instituição "Berço" e, numa primeira instância, o Tribunal de Viana a decidir que a adopção seria o melhor projecto de vida para as crianças.

Rosa assegura que as assistentes não a terão visitado mais do que "duas ou três vezes" desde Dezembro do ano passado, altura em que foi proferida a sentença. E que também não foi integrada em qualquer programa de educação parental, como determinou o juiz.

Contactada pelo JN, a SS de Viana remeteu a justificação para a presidente do Instituto de Segurança Social. Helena Silveirinha afirmou que "não foi estipulada periodicidade para a visita", mas assegurou que "a família está a ser acompanhada num regime de proximidade". Nesse caso, por que razão demorou sete meses a constatar que a família não recebia os subsídios a que tem direito? "A situação foi detectada e já está regularizada", concluiu.

Fonte judicial ligada ao processo confessou ao JN ter dúvidas em relação "às contradições que nortearam este caso". Sobretudo porque "as assistentes sociais insistiram sempre na aplicação da medida de adopção quando nunca ficou provado que a mãe não teria competência para tomar conta dos filhos. Pelo contrário. Ficou demonstrado que os ama, que nunca os maltratou, que sempre os visitou. Tudo isto foi atestado por uma avaliação realizada pela Universidade do Porto. Ficou confirmado que as crianças temiam ser separadas entre si, e que não queriam deixar de ver a mãe", demonstrou outra avaliação solicitada à Universidade do Minho.

Em contrapartida, a apreciação académica revelou que, "apesar da elevada motivação para criar os filhos", a mãe acumula dificuldades económicas com algumas "dificuldades cognitivas", razão pela qual o tribunal determinou que "a SS teria que prestar um apoio semanal ao agregado". O processo levantará mais dúvidas à fonte judicial porque o caso de Rosa está longe de ser o único em que, contra a vontade da mãe e dos filhos, as assistentes sociais de Viana propõem processos de adopção. [ver textos ao lado]. Questiona a fonte: "Nunca sugeriram sequer uma adopção restritiva. Pergunto-me até que ponto é aceitável que a SS possa desinteressar-se de uma situação por ter visto negada a opção que sugerira como melhor."

Em Dezembro do ano passado, Idália Moniz, secretária de Estado da Reabilitação, em entrevista ao JN, defendeu que a adopção deve ser a última alternativa. "Temos que criar condições às famílias, ensinando coisas básicas: gestão do orçamento familiar ou arrumar a casa. Devemos fazer os possíveis e os impossíveis para que uma criança volte à sua família biológica em segurança e respeitando os seus direitos." No caso de Rosa, aconteceu o oposto. As crianças ficaram longe da mãe durante quatro anos - a mais nova foi-lhe retirada com apenas 19 dias. A mais velha, 14 anos, acabaria por ir para uma família de acolhimento, que passou a rejeitá-la quando descobriu que perdera a virgindade. No julgamento, a adolescente referiu que a tinham pressionado para rejeitar a mãe biológica, e era com ela que quereria viver. Porém, lê-se na sentença, a declaração "não convenceu o tribunal".

O Tribunal de Viana, que entendeu que a mãe não poderia tomar conta dos filhos, entregou-lhe uma das cinco crianças, alegando que era "mimada".

"Como se explica aos nossos filhos que não é por gostar mais de um do que dos outros que nos vão separar para sempre?", pergunta Rosa.

O caso de Emília Matos é semelhante ao de Rosa Lima - e ambas são de Viana do Castelo. O que o distingue é a irreversibilidade. Aos 29 anos, três dos cinco filhos de Emília já foram adoptados. A decisão do Tribunal, ancorada nos relatórios da Segurança Social (SS), alega as "ausências da mãe para o estrangeiro, deixando os meninos entregues a si próprios"; a "grave negligência ao nível da higiene, saúde e alimentação" e "instabilidade emocional".

Emília acusa as assistentes sociais de terem "mentido", e promete não desistir dos filhos. Até porque, diz, já os podia ter recuperado se tivesse aceite a proposta que lhe fizeram. "Quando estava grávida da minha filha (quarta gravidez), a assistente social [o JN protegeu a sua identidade] ofereceu-me dinheiro para eu lhe dar a bebé. E disse que, em troca, arranjava uma forma de me devolver os meus três rapazes", acusa.

Emília não aceitou. Mas teve que fugir do hospital de Viana para não lhe retirarem a menina. "Havia lá uma indicação da SS para que a bebé me fosse retirada à nascença", conta. Mas a médica [identidade protegida], que a acompanhava desde o início, não teve coragem de realizar a operação. Emília conta que a médica a terá chamado ao gabinete para confessar: "Não vou fazer o parto. A seguir teria que lhe retirar a sua filha e nunca mais a iria ver. Amanhã, outro médico decidirá".

O outro médico [identidade protegida] não pôde fazer o mesmo. Ter-lhe-á dito: "Não posso adiar mais. Já não é só a Emília que está a sofrer; é a sua filha também". Desesperada, chamou o marido, arrancou o soro, e fugiu. Seguiu para o Porto. "Mas com medo que, através da informática descobrissem quem era, e me retirassem a bebé, fui para Espanha. Tive a criança em Pontevedra."

Este caso começa em 2002. Emília estava desempregada; o marido era toxicodependente. Tinham dois rapazes; ela estava grávida do terceiro. "Vivia sem água, sem luz, sem nada. Passava fome". A SS, a quem diz ter pedido ajuda, pouco ou nada terá feito.

Entretanto, separa-se do marido, refaz a vida com outro companheiro e solicita o Rendimento Social de Inserção. As SS começa a visitá-la na casa ilegal que habita até hoje (arrombou a porta para a ocupar). Para "compor a vida", os amigos emigrantes começam a arranjar-lhe trabalhos de curta duração no estrangeiro. Nessas alturas, era a avó quem ficava com os netos. A SS desmente esta versão nos relatórios: afirma que as crianças ficavam sozinhas e acusaram Emília, numa consulta, de ser traficante de droga.

Quando surge um contrato de seis meses, Emília pede à SS para que os miúdos fiquem durante esse tempo na instituição Casa dos Rapazes. A SS sugere-lhe uma família de acolhimento e ela concorda. Mas depois desiste - do acolhimento e do trabalho no estrangeiro. Havia engravidado (parto que tealizou em Espanha), e apesar de não trabalhar, tinha uma vida estável com o marido.

A SS visitou-a meses depois. "Obrigaram-me a assinar os papéis para o acolhimento para os rapazes e tenho testemunhas disso", garante. Emília procurou os miúdos todos os dias até os encontrar. Ficou a dar-se bem com a família de acolhimento, ia lá todos os dias. Em Agosto pediu uma tarde só para ela. A SS recusou. Foi lá buscá-los na mesma. A GNR retirou-lhos uma semana depois, "à força, com os miúdos a fugirem e a gritarem. Toda a gente viu", diz. Com o desgosto, tentou matar-se com ácido. Foi salva pelo marido. Mas os rapazes foram adoptados.