17.7.08

À terceira noite as famílias ciganas vão arrumando a casa no pavilhão

Daniela Gouveia, in Jornal Público

Na preparação da terceira noite, a ordem começava a chegar ao pavilhão onde a Câmara de Loures "realojou" as cerca de 200 pessoas de etnia cigana que fugiram da Quinta da Fonte.

Ontem já havia grupos para limpar o gimnodesportivo, os balneários e as ruas, refeições com horas marcadas. A Cruz Vermelha garantia que estava tudo a correr bem. Desde quinta-feira que ninguém vai "para a venda". Os homens não querem deixar as mulheres e as crianças sozinhas. Todos estão com medo e dizem que para a Quinta da Fonte "nunca mais". Ontem à tarde, à entrada do pavilhão, uma mulher de etnia cigana pedia aos funcionários mais uma vassoura, um menino mais uma bola, uma idosa toda de preto queixava-se de cansaço. Lá dentro, a tabela de básquete marcava as 15 horas e, debaixo de um calor de estufa, havia crianças a saltar à corda, mulheres a amamentar bebés, homens a jogar as cartas. Sentadas ao pé das camas feitas pela segunda vez, mulheres acrescentavam adjectivos à boca umas das outras: "Estamos cansadas, nervosas, chateadas, stressadas, revoltadas, o que fazemos é chorar". Susana Cândido dizia que já não se importava de dar o nome: "A minha casa já está destruída." Ainda com o recipiente do almoço nas mãos, Susana garantia: "Só arredo pé daqui se tiver casa para onde ir". Outra mulher, que não quis dar o nome, ainda dizia que a câmara até podia arranjar um acampamento. Mas Susana, etnia branca, casada com um cigano, insistia: "Mas qual acampamento qual quê? Uma casa! Os meus filhos têm de ser criados numa casa, as casas eram nossas, somos cidadãos portugueses e temos direito a uma casa". Para o bairro não voltam. "Nem pensar", "nunca mais". "Se a gente voltar ao bairro ainda pode morrer alguém", dizia uma. "Se a gente volta lá há mortes de certeza absoluta", ripostava Susana. Alguns ainda vão voltando, com a polícia, para ir buscar roupa, medicamentos e outros bens. "Ainda ontem fui lá buscar as fotografias dos meus filhos e eles (os africanos) disseram-me: cigano não tem direito a casa, quem manda no bairro somos nós", contava um homem com um olho no jogo de cartas, outro no caderno do PÚBLICO. Um dos "responsáveis" pelas famílias no pavilhão, José Fernandes, admitia que não era "de um dia para outro" que a situação se resolvia, "mas espalhar as famílias por vários concelhos podia ser uma das soluções. "Estamos com esperança na reunião de amanhã com o governo civil".

O presidente da Câmara de Loures disse ontem à Lusa que as 30 famílias cujas casas foram vandalizadas vão ser "encaminhadas para pensões". Em relação às outras, "terão de regressar dentro de dois ou três dias às suas casas na Quinta da Fonte ou procurar casa noutro sítio pelos seus próprios meios".

Ontem, uma mulher de 50 anos contava que a casa nem era dela, estava abandonada quando a ocupou há quatro anos atrás: "Não sei o que será de mim". Mesmo ao lado, uma mãe aproveitava a hora da sesta do filho, algumas crianças tomavam banho num dos balneários, outras iam abanando as raquetes de pingue-pongue para esquecer o calor. Mas já perto das cinco da tarde, cá fora, as camisas que uma mulher estendia em cima de um Fiat vermelho não iam demorar muito a secar.