Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Endividadas, as famílias e empresas portuguesas vão abrandar o consumo e o investimento em 2008 e 2009
Portugal, endividado face ao estrangeiro e sem capacidade para se proteger da crise internacional, vai registar, durante este ano e o próximo, taxas de crescimento próximas de um por cento, que prolongam para oito anos o período de divergência face aos parceiros da zona euro.O Banco de Portugal apresentou ontem as suas novas projecções para a economia portuguesa, revendo para 1,2 por cento a estimativa de crescimento para este ano. Este valor fica distante dos dois por cento que a entidade liderada por Vítor Constâncio projectava há seis meses, dos 1,9 por cento registados em 2007 e do mais recente objectivo do Governo para 2008, situado em 1,5 por cento.
Para 2009, o banco central não aposta em mais de que uma muito modesta recuperação para 1,3 por cento, a previsão mais negativa feita até agora para Portugal. O Banco de Portugal alerta ainda que existe o risco do ritmo de crescimento vir a ser ainda mais baixo.
Por trás destes resultados tão decepcionantes está, como diz o Banco de Portugal, "a desaceleração económica a nível global", "a situação de turbulência nos mercados financeiros internacionais" e "o aumento dos preços das matérias-primas". No entanto, é o facto de o país estar tão endividado face ao estrangeiro e as famílias e empresas portuguesas face aos bancos que faz com que a economia continue a ser tão afectada pela difícil conjuntura externa e a crescer menos que os seus parceiros europeus.
Segundo o Banco de Portugal, o défice externo português - medido através das balanças corrente e de capital - deverá, neste ano e no próximo, superar os 10 por cento do PIB, algo que nunca aconteceu, pelo menos, desde 1995. Nem no final dos anos 90, quando o entusiasmo dos portugueses pelo crédito fez disparar as importações, se atingiram valores tão altos.
Investimento retrocedeO aumento da factura energética e o crescimento dos juros que os bancos portugueses têm de pagar ao estrangeiro são as principais razões para este novo recorde. Em particular, o défice da balança de rendimentos vai chegar, em 2009, aos 6,5 por cento do PIB, o valor mais alto de sempre e um sinal claro de que chegou a altura de os portugueses pagarem pelo crédito que, consecutivamente, têm pedido ao estrangeiro.
Assim, não é de espantar que as famílias e as empresas, pressionadas pelo elevado nível de endividamento e, além disso, a terem de enfrentar a subida das taxas de juro, a alta dos preços dos alimentos e energia e as fracas expectativas para o futuro, se vejam forçadas a travar no consumo e no investimento.
O Banco de Portugal aponta agora para um abrandamento do consumo privado de 1,5 por cento em 2007 para 1,3 e 0,7 em 2008 e 2009. Este último valor será o segundo mais baixo dos últimos dez anos, superando apenas o registado em 2003.
O investimento, a grande aposta do Governo para a retoma, volta a andar para trás, passando de um crescimento de 3,2 por cento no passado para apenas um por cento este ano.
As exportações mais não fazem do que acompanhar a quebra das economias que são clientes de Portugal. Este indicador irá crescer 4,4 por cento este ano, depois dos 7,7 por cento de 2007.
Pressão sobre o défice
Na apresentação das projecções que fez ontem na Assembleia da República, Vítor Constâncio foi muito prudente na altura de apontar soluções de curto prazo. Pelo contrário, fez questão de frisar que "não há margem para políticas orçamentais de estímulo económico que impliquem aumento da despesa ou redução de impostos", lembrando que "os números de crescimento previstos pressionam as metas do défice". O governador defendeu ainda que é preciso "evitar uma espiral de aceleração dos preços e dos salários", apostando antes numa "política de redistribuição de rendimentos focada nos mais pobres".
Do lado do Governo, o tom das reacções foi o de que o abrandamento projectado já era esperado e que tudo poderia ainda ser pior. "O Banco de Portugal prevê uma desaceleração do crescimento em Portugal bastante menor do que em vários países europeus que estão à beira de uma recessão", afirmou Manuel Pinho, ministro da Economia.
Pela oposição, António Borges, do PSD, afirmou que "estes números reflectem o esgotamento de um certo modelo de política económica", defendendo que "que toda a atenção deveria ser dada à competitividade das empresas". "Ficamos muito preocupados com a paragem do investimento; mostra que a maioria das empresas continua a atravessar dificuldades muito profundas", declarou o dirigente social-democrata.
Honório Novo, do PCP, defendeu a "necessidade de reposição do poder de compra dos portugueses".