Alexandra Marques, in Jornal de Notícias
Portugal pode estar nos primeiros 15 países que mais faz contra a violência sobre as mulheres, mas a lentidão da Justiça e certas decisões judiciais deitam por terra muitos esforços, diz autor de documento sobre o tema.
Para Mendes Bota, redactor do relatório que será discutido a 3 de Outubro, na sessão plenária do Conselho da Europa (CE), Portugal ainda não cumpre as sete medidas legislativas que a resolução 1582, do CE, considera serem parâmetros mínimos no combate à violência contra as mulheres.
A violação marital ou violência sexual no casamento não é tida como crime nem a agressão perpetrada pelo parceiro constitui "circunstância agravada". Apesar de, em 2007, 38% portuguesas terem sido vítimas de maus tratos, tendo 55% dos casos sido praticados pelo parceiro.
Também não é canalizado para este combate, por ano, 2% do PIB. E os 500 lugares nas casas de abrigo ficam aquém das 900 camas, que correspondem à recomendação de um lugar em acolhimento por cada 7.500 habitantes.
Mesmo assim, Mendes Bota, primeiro vice-presidente da Comissão para a Igualdade de Oportunidades de Género do CE, diz que Portugal pode estar entre os 15 primeiros Estados (que têm uma estrutura de resposta eficaz) entre mais de 50 países (47 do CE mais as nações associadas).
O deputado refere mesmo ter havido "um grande salto em frente" na formação das forças policiais, mas não esconde que "ainda é insuficiente a situação a nível judicial".
Esta crítica surge porque, afirma, é incompreensível que um juiz ilibe um agressor porque só deu um estalo na mulher, que um outro determine que o agressor não se pode aproximar da vítima e depois, na regulação do poder paternal, outro magistrado decida que o agressor pode visitar os filhos em casa.
O deputado é igualmente crítico quanto ao novo Código de Processo Penal. Porque "desprotege a vítima": "Se o agressor não for apanhado em flagrante ou se se apresentar voluntariamente ao juiz é automaticamente libertado", exemplifica. "Houve aqui um erro que tem de ser reparado".
No debate parlamentar de hoje, que encerra a campanha portuguesa, Mendes Bota vai exortar a que as verbas do Orçamento de Estado sejam descriminadas para que se saibam os montantes afectos às iniciativas e feitos estudos para apurar os custos desta violência.
Porque quando uma mulher é maltratada "tem de ir ao hospital, à farmácia , ao tribunal e à Segurança Social. Além de que toma cinco vezes mais soporíferos, tende mais a suicidar-se, falta mais ao trabalho e produz menos", aponta.
Vai também voltar a desafiar os colegas deputados a criarem um grupo de trabalho composto só por homens, como existe na Suécia, desde 2002. Há um ano, apenas lhe responderam dois socialistas. "Os homens não se querem envolver. Ainda há muito machismo em Portugal", desabafa.
Foi em 2006 que foi como suplente (lugar de Portugal) para a Comissão para a Igualdade de Oportunidades de Género, onde tinha assento um único homem. "Era encarada como uma comissão menor", refere. Vera Jardim (PS) e Mota Amaral (PSD), respectivamente presidente e vice-presidente da delegação portuguesa, pediram-lhe que aceitasse e hoje é uma Comissão paritária.
E tudo começou numa reunião onde se discutiu o tráfico de mulheres para os bordéis abertos de propósito para o Mundial de Futebol, na Alemanha.
Dizer nos jornais que se tratava de "uma santíssima aliança entre o futebol, a cerveja e o sexo", foi o bastante para ser, posteriormente, eleito terceiro vice, sendo agora primeiro vice-presidente.